Após um julgamento sem precedentes na França, um tribunal de Paris condenou na quarta-feira à noite aquele ex-membro da milícia liberiano de 47 anos a prisão perpétua por uma série de abusos contra civis em 1993-1994, incluindo a tortura infligida a um professor cujo coração alegadamente comeu, e pela sua passividade diante das repetidas violações de duas adolescentes por soldados comandados por si.
"Consideramos que o veredicto é injustificado no que diz respeito ao dossiê, mas também em relação às demais decisões proferidas em julgamentos por crimes contra a Humanidade", declarou a advogada Marilyne Secci, anunciando que recorreria da condenação.
Ao longo das três semanas de julgamemnto, aquele ex-comandante do Movimento de Libertação Unida para a Democracia (Ulimo, no acrónimo em inglês) proclamou a sua inocência e garantiu que foi vítima de uma "conspiração".
Durante o julgamento, vários queixosos e testemunhas que vieram especialmente da Libéria, certificaram que o acusado era de facto o "comandante Kunti" que teria contribuído para o terror reinante no noroeste do país que caiu nas mãos da Ulimo no início dos anos 1990.
Atrocidades indescritíveis foram relatadas no tribunal: desde moradores assassinados ao serem forçados a engolir água a ferver, comércio de carne humana, intestinos usados ??como postos de controlo em substituição de cordas ou correntes e violação com uma baioneta mergulhada em sal.
A impunidade que ainda impera na Libéria também foi referida no julgamento.
Os crimes da guerra civil, que matou um total de 250.000 pessoas, nunca foram julgados pelo país onde ex-líderes rebeldes agora ocupam altos cargos no aparelho estatal.
Detido na região de Paris em setembro de 2018, Kunti Kamara foi julgado em Paris sob a "jurisdição universal" exercida, sob certas condições, pela França para julgar os crimes mais graves cometidos fora de seu território.
Esta foi a primeira vez que tal mecanismo foi utilizado para atos cometidos num país que não o Ruanda.
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