Após a explosão desta terça-feira na localidade de Przewodów, na Polónia, o porta-voz do governo polaco, Piotr Muller, afirmou em conferência de imprensa que o executivo estava a considerar a hipótese de acionar o artigo 4 da NATO, que envolve conversações entre os países membros.
Mas por que não acionar o artigo 5, de que tanto se tem falado desde que começou a guerra na Ucrânia, a 24 de fevereiro? Ainda que o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Polónia tenha já afirmado que a explosão no seu território foi causada por "um míssil de fabrico russo", fazendo dois mortos, não há ainda evidências que apontem para um ato deliberado de ataque à Polónia por parte da Rússia.
Só nesse caso seria possível àquele país invocar o Artigo 5 - segundo o qual, um ataque a um país é um ataque a todos -; assim sendo, a Polónia prepara-se para ativar o Artigo 4, que determina conversações entre os membros.
O que diz o Artigo 4?
O Artigo 4 do Tratado da Organização do Atlântico Norte (NATO, na sigla em inglês) cobre o cenário em que um estado membro se sente ameaçado por outro país ou organização terrorista.
A cláusula do tratado determina o seguinte: "As Partes consultar-se-ão sempre que, na opinião de qualquer delas, estiver ameaçada a integridade territorial, a independência política ou a segurança de uma das Partes".
Neste caso, os 30 estados-membros iniciam então consultas formais a pedido do membro ameaçado. As conversas analisam se existe uma ameaça e como combatê-la, com decisões tomadas por unanimidade.
O Artigo 4 não significa, entretanto, que haverá pressão direta para agir.
Os analistas consideram este ponto uma espécie de preâmbulo do Artigo 5, já que permite uma avaliação da situação e uma ponderação de medidas a tomar, perante uma ameaça latente ou real, servindo de mensagem política ou geoestratégica a enviar a um potencial inimigo comum.
E o artigo 5?
Para invocar o Artigo 5 é necessário que, posteriormente, as partes concordem "que um ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque a todas, e, consequentemente, concordam em que, se um tal ataque armado se verificar, cada uma, no exercício do direito de legítima defesa, individual ou colectiva, reconhecido pelo artigo 51.° da Carta das Nações Unidas, prestará assistência à Parte ou Partes assim atacadas".
Ainda segundo este artigo, "qualquer ataque armado desta natureza e todas as providências tomadas em consequência desse ataque serão imediatamente comunicados ao Conselho de Segurança. Essas providências terminarão logo que o Conselho de Segurança tiver tomado as medidas necessárias para restaurar e manter a paz e a segurança internacionais".
Neste caso, segundo o analista Francisco Pereira Coutinho, seria necessário provar a intenção de ataque à Polónia no caso da queda de alegados mísseis russos em território polaco.
"Para o Artigo 5 ser aplicado, é necessário que haja um ataque armado. Mas, mais do que isso, é preciso que haja intenção, o que claramente ainda não está provado", explicou à Lusa Francisco Pereira Coutinho, professor de Direito Público Internacional da Nova School of Law.
Algum destes artigos já foi invocado?
Desde a formação da NATO, em 1949, o Artigo 5 apenas foi invocado uma única vez - a seguir ao ataque terrorista de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos - e o Artigo 4 já foi ativado por sete vezes, sobretudo pela Turquia.
Na primeira vez, em 10 de fevereiro de 2003, a Turquia pediu formalmente consultas entre os países membros, para se precaver para a eventualidade de uma ameaça à sua população resultante do conflito armado no vizinho Iraque, levando a NATO a desencadear a Operação Display Deterrence, em maio desse ano.
Em 2012, a Turquia voltou a invocar o Artigo 4 por três outras vezes, em 22 de junho - após um dos seus aviões de caça ter sido abatido pelas defesas aéreas da Síria - e em 03 de outubro - quando cinco civis turcos foram mortos por bombas sírias -- antes de, em novembro, nova consulta ter levado a NATO a recorrer a mísseis Patriot, em missões de defesa na região.
A Turquia voltaria a invocar o Artigo 4 em 26 de julho de 2015, perante a ameaça de ataques terroristas, um ano depois de a Polónia ter ativado esse mesmo ponto do Tratado, em 03 de março de 2014, perante uma escalada de tensão na fronteira com a Ucrânia, quando da anexação da Crimeia por parte da Rússia.
Este ano, em 24 de fevereiro, Bulgária, República Checa, Estónia, Lituânia, Polónia, Roménia e Eslováquia solicitaram a realização de consultas, ao abrigo do Artigo 4, para discutir a invasão russa da Ucrânia, anunciada nesse mesmo dia pelo Presidente russo, Vladimir Putin.
As conversações podem assumir vários formatos, desde o modelo mais básico - que envolve a simples troca de informações - até modelos mais complexos, em que os governos dos países invocantes já tomaram decisões sobre medidas a tomar e procuram articulá-las.
As conversações podem ser formais ou informais - dentro ou fora do Conselho do Atlântico Norte (NAC) - e partilham o padrão de serem rapidamente agilizadas, podendo demorar apenas algumas horas entre a decisão de invocar o Artigo 4 e o início das negociações entre as partes.
No final das conversações, adota-se o princípio do consenso para a tomada de decisões, o que significa que todas as decisões da NATO são expressões da vontade coletiva de todos os países membros.
Qualquer membro da NATO pode invocar o Artigo 4 e, logo que uma decisão é assumida por consenso, a reação pode ser aplicada de forma imediata, se tal for o entendimento das partes, com o secretário-geral a assumir um papel importante de moderador.
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