Um milhão de refugiados Rohingya pode sofrer impacto da guerra na Ucrânia
A guerra na Ucrânia poderá tornar ainda mais difícil a vida no maior campo de refugiados do mundo, em que sobrevive quase um milhão de pessoas da minoria muçulmana Rohingya, disse à Lusa a agência da ONU para os refugiados.
© Getty Images
Mundo Rohingya
Regina de la Portilla, que representa o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em Cox's Bazar, no Bangladesh, afirmou que o programa de distribuição de gás aos refugiados, que lhes permite cozinhar sem ter que recorrer ao corte e queima de lenha, poderá ser um dos esforços em risco com o aumento dos preços do combustível.
Além disso, uma vaga de vários milhões de refugiados de guerra da Ucrânia espalhando-se por vários países europeus terá necessariamente que concentrar os esforços de auxílio.
"Este será um dos principais desafios para o próximo ano. Os preços do gás têm subido, mas os fundos não e esta poderá ser uma escolha difícil no futuro. Por enquanto, temos gás suficiente, mas não sabemos o que acontecerá em 2023", admitiu.
A população do que é, na verdade, uma aglomeração de 33 campos, está em "quase um milhão de pessoas" num espaço de 17 quilómetros quadrados onde se vive "em condições muito duras, com grande densidade de pessoas, acesso difícil a água e saneamento, sem internet, sem tv, sem rádio, com doenças que se espalham muito rapidamente e são muito difíceis de controlar".
Os Rohingya fogem da perseguição em Myanmar, onde são alvo de violenta repressão por parte do Governo, que as Nações Unidas consideram que pratica genocídio contra a minoria.
"Nascem 30 mil crianças por ano" nos campos, referiu a trabalhadora humanitária, indicando que parte do trabalho é a educação para o planeamento familiar, começada em "espaços exclusivos para mulheres".
No espaço de cinco anos, conseguiu-se também reduzir o "alto grau de mortalidade neonatal", apoiando a ida de mulheres refugiadas fora dos campos para darem à luz.
Outra das preocupações é combater a violência sobre as mulheres, "que existe na comunidade", com programas para homens e mulheres que sensibilizam para o facto de isso ser um problema "que não deve existir, que é um trabalho de todos".
"Quanto a doenças, temos dengue, especialmente na estação das chuvas. Temos muitos problemas de pele, porque a água não é limpa, as pessoas lavam-se com água estagnada e contaminada pelo lixo. Tudo o que é uma gripe pode complicar-se. Mesmo assim, no que respeita à covid, não foi um problema muito grande, porque se trata de pessoas que já estão um pouco isoladas e o programa de vacinação do Governo do Bangladesh foi muito rápido", acrescentou.
Habituada à assistência humanitária na América Latina, a funcionária mexicana do ACNUR considerou que o mais difícil da realidade dos refugiados Rohingya é estarem praticamente fechados, sem "se integrarem nas comunidades e viverem como parte delas".
"Há um milhão de pessoas a viverem umas em cima das outras, com poucas liberdades, sem autorização para trabalhar. O que mais querem é voltar, mas não podem, porque estariam em perigo. Não sabem o que vai ser das suas vidas e isto tem um impacto mental e emocional muito forte na comunidade", analisou.
A situação das crianças e jovens, que representam "mais de metade" da população dos campo, é "super triste", considerou, porque "muitas nunca viram o seu país, nasceram aqui".
"Quase não há brinquedos, quase não há roupa. Vivem numa pobreza extrema. A única coisa que conseguimos é que tenham acesso a centros educativos, mas é limitado o tempo que ali têm. Muitos passam os dias a correr pelo campo, inventando coisas para fazer. Têm muitíssima imaginação. Há também muitos riscos, porque estão sozinhos grande parte do dia. Tivemos incidentes em que caíram em valas com água e morreram, porque não sabiam nadar", relatou.
Ao fim de 16 meses a trabalhar em Cox's Bazar, afirmou que a surpreende a capacidade de manterem a esperança.
"Todos os dias põem um pé à frente do outro, apesar de a situação ser muito difícil. Se houver uma redução de fundos, vai ser ainda mais. Não vão ter os mesmos serviços, porque provavelmente teremos que os reduzir. No entanto, as pessoas continuam com esperança de que tudo vai melhorar", destacou.
A solução, assume, "é difícil" e requer que se continue "a insistir com a comunidade internacional para que a situação em Myanmar melhore. Ou coisas como os Estados Unidos fizeram, receber alguns refugiados. Por enquanto, foram muito poucos, mas seria maravilhoso, sobretudo para os que estão aqui há 30 anos, se pudessem ir para outros países. Começarem a sair do campo seria uma grande oportunidade", considerou.
+++ A Lusa viajou a convite do Governo do Bangladesh +++
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