Com luz ou sem luz, há meses que as ruas de Kharkiv estão praticamente desertas. Na noite de quarta-feira a eletricidade voltou a falhar, cenário que já não é novidade desde que a Federação Russa escolheu as centrais produtoras de energia e outras infraestruturas críticas como alvos naquela que é a maior cidade do país depois de Kiev.
A escuridão cobre toda a cidade e só é interrompida pelos clarões dos faróis dos automóveis, que são poucos.
Mas há pessoas na rua, jovens em particular. A iluminar o caminho com as lanternas dos smartphones, encaminham-se para um bar no número 22 da Rua Sumska.
Este bar é o lugar de eleição para a juventude de Kharkiv. É um dos poucos locais que está aberto de todo e até tarde.
"É apenas mais um dia", diz um dos clientes, que está a acabar um cigarro antes de entrar. Apressa-se porque estão -9 ºC lá fora. Lá dentro, hoje não há aquecimento e também não há gerador.
"Não comprámos um gerador porque, normalmente, a luz não falha nesta zona", explica à Lusa Maria, uma das funcionárias, enquanto atarefada recolhe os pedidos.
A cozinha hoje está fechada, mas ainda há cerveja artesanal e "foi para isso que as pessoas cá vieram".
"Os russos acham que nos vão impedir de viver?", ironiza Maria, que, assim como os colegas, está de calças de ganga e uma sweatshirt preta com a frase "Drink more to see if I look better" ("Bebe mais para ver se eu pareço mais bonita") estampada.
Há velas ao balcão, em algumas mesas, mas para utilizar as casas de banho ou ir para a sala mais reservada só mesmo empunhando com a luz do telemóvel, para encontrar o caminho.
Há uns aperitivos na cozinha. Ajudam a acompanhar com a cerveja, ainda que não substituam as refeições. Mesmo à porta está o maior grupo, seis homens, que conversam alto como se estivessem a desfrutar de um jantar normal, não fosse Kharkiv uma cidade que ainda hoje é fustigada por mísseis e que está na mira do Kremlin -- conseguir Kharkiv seria uma grande vitória para Moscovo na região do Donetsk por ser o principal polo a partir do qual é possível seguir para outras grandes cidades, como Zaporíjia.
Junto à janela, um casal aproveita um jantar à luz de velas - não por opção ou romantismo, mas por ser a única maneira de se verem. Lá fora não há luzes dos candeeiros e mesmo a lua está encoberta pelas nuvens.
"É como se as pessoas estivessem a ter um jantar com amigos chegados, de maior intimidade", comenta Maria, enquanto serve mais uma cerveja para a mesa mais cheia.
Depois de umas quantas cervejas e de colocada em dia a conversa o convício acaba e está na altura de enfrentar o frio, de telemóvel na mão para indicar o caminho. Pelo menos hoje não há sirenes a soar, por isso, os jovens podem ir ainda mais descontraídos para casa.
"Já estou habituada, é um dia de trabalho como outro qualquer, é como se estivesse a trabalhar com luz e, pelo menos, o multibanco funciona", refere Maria.
Durante o dia, é possível ver aquilo que a escuridão oculta todas as noites. É uma cidade de contrastes entre os edifícios cuja arquitetura é resquício da União Soviética e os que acabaram destruídos pela artilharia russa.
À semelhança do que aconteceu noutras cidades, as estátuas estão protegidas para sobreviverem a bombardeamentos e os estilhaços que estes provocam.
Kharkiv foi um dos principais palcos da invasão que começou há um ano. Entre fevereiro e maio do ano passado, as Forças Armadas da Ucrânia e de Moscovo envolveram-se em várias batalhas em redor da cidade.
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