"Nos últimos três anos só entraram na Inspeção Geral de Trabalho 32 queixas, apenas de assédio moral, e de mulheres. Isto quer dizer que oficialmente em Cabo Verde não existe assédio sexual. Para verem que eventualmente poderemos estar a ter problemas na legislação. A sensibilização é importante, a consciencialização é importante, as denúncias são importantes, mas se os abusadores sentirem-se impunes vão continuar a abusar", afirmou Fernando Elísio Freire.
O ministro da Família e Inclusão Social falava na abertura da apresentação pública, na Praia, dos resultados de dois estudos, sobre a proteção dos direitos das mulheres e o combate ao assédio sexual, à violência sexual e do empoderamento económico das mulheres.
Trata-se de um estudo realizado em julho de 2022 nas ilhas de Santiago, Fogo e São Vicente, com uma amostra de 635 respostas, de mulheres e homens, no âmbito do projeto Empoderamento de Mulheres e meninas em Cabo Verde: O caminho para o Desenvolvimento, da Organização das Mulheres de Cabo Verde (OMCV), em colaboração com o Centro de Investigação em Género e Família (Cigef), financiado pelos Estados Unidos da América.
"Um número significativo afirma ter vivenciado um ou outro caso de assédio ou violência sexual, a saber 198 pessoas (28,2% do total). A maioria é do sexo feminino, isto é, 141, correspondente a 71,2% do total, contra 52 pessoas do sexo masculino", lê-se nas conclusões do estudo, divulgadas pela OMCV, sobre a perceção dos cabo-verdianos sobre a violência sexual e o assédio em Cabo Verde.
"Para cada cem mulheres, cerca de 38 vivenciaram o assédio, contra apenas 16 em cada 100 homens. Isto é, as mulheres representam mais do que o dobro dos homens", acrescenta-se.
Na cerimónia de apresentação das conclusões, Fernando Elísio Freire considerou que é "importante" fazer este estudo para dar pistas a quem tem capacidade de decidir, "bem na proteção da dignidade de cada um e na igualdade de oportunidade".
"Por isso é que este estudo também coloca as profissões mais vulneráveis que a relação de confiança e de dependência é maior, que há maior assédio moral e sexual, e que não há denúncias", salientou.
Segundo a presidente da OMCV, Eloisa Cardoso Gonçalves, o estudo pretende dar uma visão da perceção das pessoas sobre o assédio sexual e a violência sexual e, por outro lado, identificar as lacunas a nível da legislação para o empoderamento económico da mulher e também sobre a violência baseada no género, em concreto o assédio e a violência sexual.
"Em termos de dados, temos em primeiro lugar pouca perceção a nível do que é que diz a lei, sobre o assédio sexual e a violência sexual. Por outro lado, mostra-nos também a pouca disposição das pessoas a apresentarem queixas quando sofrem este tipo de violência, nomeadamente devido a tudo o que nós já conhecemos", avançou
Como, apontou, "a culpa, a culpabilização, o medo de represálias e outras questões que normalmente têm impedido que as pessoas procurem justiça e em caso de sofrerem este tipo de violência".
"Falamos de pessoas que, em primeiro lugar, muitas vezes acontecem atos que não identificam como sendo assédio sexual, por exemplo. E depois, a partir daí, as vítimas não sabem como se comportar. Acho que neste caso é um primeiro sinal de alarme, porque se as pessoas não sabem que são vítimas, que não sabem que aquele tratamento a que estão sujeitos é crime, então não vão dar seguimento ou não vão procurar a justiça nesse caso", frisou.
O embaixador dos Estados Unidos em Cabo Verde, Jeff Daigle, afirmou na mesma cerimónia que os resultados destes estudos permitirão perceber melhor o fenómeno do assédio e da violência sexual no arquipélago, em particular as mulheres, reforçar a autonomia económica das mulheres, capacitar as organizações da sociedade civil para a defesa dos direitos das mulheres e de apoio às iniciativas empreendedoras de pequenas empresas lideradas por mulheres.
"É mais um exemplo dos valores democráticos, de respeito dos direitos humanos, e da igualdade de acesso a oportunidades que o Estados Unidos partilham com Cabo Verde", acrescentou o embaixador, sobre este projeto, financiado em 150 mil dólares (139,6 mil euros) pelo Africa Regional Democracy Fund, do Departamento de Estado norte-americano.
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