Espanha. Extrema-direita procura "no campo" voto para entrar no Governo
A uma semana das eleições espanholas, o líder do partido de extrema-direita VOX, Santiago Abascal, foi ao feudo socialista de Castela La Mancha pedir votos "no campo, nas fronteiras e na segurança" para conseguir entrar no próximo Governo.
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Mundo Espanha
Sob o sol tórrido de julho do centro da Península Ibérica, e com temperaturas acima dos 30 graus às oito e meia da noite, o VOX reuniu no sábado algumas centenas de pessoas num anfiteatro de Guadalajara, município de 85 mil habitantes da região de Castela La Mancha, a única onde o partido socialista (PSOE) do primeiro-ministro Pedro Sánchez ainda teve uma maioria absoluta nas eleições de maio passado.
Em feudo socialista, o anfiteatro de mais de 3.000 metros quadrados ao ar livre não encheu - ficou longe disso - para um comício de menos de uma hora em que se ofereceram leques de papel e autocolantes com três mensagens: "vota campo", "vota fronteiras" e "vota segurança".
As frases sintetizam propostas do VOX, que partilha com partidos de extrema-direita europeus e que são consideradas pelos críticos como securitárias, anti-imigração, xenófobas e negacionistas das alterações climáticas.
No comício, Abascal centrou-se "no campo" e "nas fronteiras", por causa das "leis climáticas" e das "quotas de imigração" que PSOE e Partido Popular (PP) "votam juntinhos em Bruxelas".
As primeiras serão, defendeu, "a ruína" da classe média e trabalhadora de uma cidade como Guadalajara e de uma região como Castela La Mancha, pelas condições que impõem a agricultores e criadores de gado, ao "proibirem a exploração dos recursos naturais" ou "levarem ao fim do regadio".
As outras abrem a porta a "quotas de imigração como as de França", que "não preservam a identidade e a segurança de Espanha", segundo Abascal.
O foco do discurso foi colocado no alinhamento entre PSOE e PP, o partido de direita liderado por Alberto Núñez Feijóo que as sondagens dizem que vencerá as eleições do próximo domingo sem maioria absoluta, que poderia conseguir com uma coligação com o VOX, como já aconteceu em três governos regionais no último ano.
O VOX elegeu os primeiros deputados no parlamento espanhol há quatro anos, em 2019, e tem atualmente 52 (num total de 350). As sondagens dão-lhe menos lugares este ano, mas mais influência, pela possibilidade de vir a ter a chave do regresso ao poder da direita.
"O PP assume todas as heranças e todos os compromissos de Sánchez com os burocratas de Bruxelas. E nós não vamos aceitar", disse Abascal em Guadalajara, para afirmar que só o VOX garante a mudança e para responder ao apelo de Feijóo no "voto útil", para os populares terem uma "maioria forte" e não dependerem "dos extremos", que "cobram comissões pelos votos" e que "sabem bloquear, mas não sabem governar".
As referências ao PP arrancaram aplausos a Abascal, mas mesmo antes de o ouvir esta era já uma audiência convencida de que foi "enganada pelo Partido Popular".
"Voto no VOX desde que nasceu [em 2013]. Antes votava no PP, mas fui enganada. Mariano Rajoy enganou-me", disse Cecília, de 57 anos, uma das primeiras pessoas a chegar ao comício de Guadalajara.
A desilusão com o PP e com Mariano Rajoy, primeiro-ministro entre 2011 e 2018, é repetida por todos os que falaram com a Lusa.
"Os do PP são tíbios, fracos e cobardes. Rajoy foi um fraco, delapidou uma maioria absoluta em que podia ter revogado as leis de Zapatero e não o fez", defendeu Javier Sánchez, de 54 anos, que se referia ao socialista José Luís Zapatero, primeiro-ministro entre 2004 e 2011.
Zapatero é a cara da despenalização do aborto ou da aprovação do casamento homossexual em Espanha, entre outras leis que foram consideradas pioneiras e de vanguarda em temas como a igualdade de género ou no reconhecimento de alguns direitos civis. Mas para os eleitores do VOX em Guadalajara, personifica o início de um caminho e de políticas que são uma "ameaça para a nação espanhola e para os valores" do país que culminaram no atual governo de Sánchez.
"Zapatero foi o pior que aconteceu a Espanha e Sánchez continuou", não tem dúvidas Cecília.
Pedro Sánchez governou Espanha nos últimos quatro anos coligado com a plataforma de extrema-esquerda Unidas Podemos e com acordos parlamentares com partidos independentistas catalães e bascos, a quem fez concessões.
"O comunismo e o separatismo ameaçam seriamente a nação espanhola", insistiu Javier Sánchez, apesar de nos últimos quatro anos os partidos independentistas na Catalunha terem perdido terreno em todas as eleições e embora haja hoje "uma mesa de diálogo" entre governo central e regional e não exista um processo unilateral de autodeterminação, como tantas vezes argumenta Pedro Sánchez.
"Sánchez fez acordos com toda essa gentalha, os inimigos de Espanha", sublinhou várias vezes o líder do VOX no comício de sábado, resumindo a opinião daqueles que o ouviam em Guadalajara, mas também as críticas aos socialistas que mais se ouvem nesta campanha eleitoral.
O VOX defende o fim das autonomias em Espanha, criadas com a democracia instituída em 1978. No programa com que se apresenta às eleições do próximo domingo não vai tão longe, mas ainda assim propõe a retirada aos governos regionais de tutelas da saúde, da educação, a segurança ou da justiça, além de defender a suspensão imediata da autonomia das regiões que "usem recursos e instrumentos" para "atentar contra a unidade de Espanha".
Aquilo que o VOX promete claramente no programa é revogar leis relacionadas com a igualdade de género, a da violência de género, a da autodeterminação de género (conhecida como "lei trans") e a do aborto.
Às acusações de que estas revogações se traduziriam em cortes e retrocessos de direitos, sobretudo os relacionados com as mulheres e as pessoas LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais), as entrevistadas pela Lusa no comício do VOX de Guadalajara, como Natividad, de 88 anos, respondem que "isso é um erro enorme, é precisamente ao contrario".
"Eu sentia-me mais segura nas ruas com o VOX no governo, que pede prisão perpétua para violadores", acrescentou.
"O VOX defende é igualdade para todos e não coloca uns acima de outros, mulheres acima de homens", defendeu Cristina, de 38 anos, que tem a certeza de que os outros partidos não defendem a igualdade e "enganam as mulheres" por estar "realmente informada", com "várias fontes na internet".
Já para Jaime, de 27 anos, o aborto nem sequer é um direito da mulher e "o que está acima de todos é o direito à vida e esse é um direito que ninguém contesta".
Jaime tem a certeza de que "uma mulher só aborta porque não conhece outra saída", embora reconheça que neste caso haja muita gente que contesta a sua certeza, incluindo as visadas, as mulheres, algumas até suas "amigas de esquerda".
MP // FPA
Lusa/Fim
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