Extrema-esquerda espanhola apela aos indecisos e às mulheres
A extrema-esquerda apresenta-se nas legislativas espanholas do próximo domingo com uma marca nova, Somar, de Yolanda Díaz, que hoje em Madrid pediu o voto aos indecisos e às mulheres para Espanha "não andar 50 anos para trás".
© Lusa
Mundo Espanha
As sondagens dão o Partido Popular (PP, direita) como vencedor e à beira da maioria absoluta se se coligar com o VOX, de extrema-direita, como já fez em três governos regionais no último ano.
As estimativas das sondagens realçam, neste contexto, que será determinante para o resultado o voto dos ainda indecisos em relação a quem votar ou daqueles que ponderam abster-se.
Estes indecisos poderão ser especialmente relevantes para decidir o terceiro lugar nas eleições, a seguir ao PP e ao Partido Socialista (PSOE), que umas sondagens atribuem ao VOX e outras ao Somar. O terceiro lugar, por sua vez, pode decidir se a próxima coligação de Governo em Espanha é de esquerda ou de direita.
No meio de tantas contas e cenários que os jornais espanhóis publicam diariamente, Yolanda Díaz disse hoje, perante centenas de apoiantes num pavilhão de Madrid, que a recuperação da esquerda "é possível" na última semana de campanha, mas só se o Somar "continuar a crescer", como "já indicam todas as sondagens".
"Eu peço o voto no Somar às pessoas indecisas", disse a também ministra do Trabalho, que vem da Esquerda Unida (ex-Partido Comunista) e formou há poucos meses o Somar, uma plataforma que junta 15 forças da extrema-esquerda.
Dona de um dos melhores índices de popularidade na política espanhola, Yolanda Díaz absorveu no Somar o partido que tinha tido nos últimos anos a hegemonia do espaço à esquerda dos socialistas, o Podemos, que a levou para o atual Governo de coligação, formado em 2019 e liderado pelo PSOE de Pedro Sánchez.
Yolanda Díaz pediu hoje também o voto às mulheres, "a força decisiva".
"Peço o voto das mulheres no Somar, um voto a favor dos nossos direitos, do direito de sermos mães se quisermos e não sermos mães e não quisermos. A favor das pessoas LGBTI [lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais]", afirmou, no final de um discurso de 20 minutos que já tinha começado com o apelo ao voto "pela liberdade" e para Espanha "não andar 50 anos para trás".
A esquerda e associações da sociedade civil consideram que os governos regionais e locais em que há coligação PP/VOX ameaçam direitos civis, a igualdade de género, a liberdade de expressão ou a luta contra as alterações climáticas, com base nos termos dos acordos entre os dois partidos, declarações de dirigentes da extrema-direita ou decisões já tomadas em autonomias e autarquias.
"Espanha não se pode permitir um retrocesso nas liberdades conseguidas ao longo de tantos anos", disse Concha, 62 anos, à agência Lusa, enquanto esperava hoje por Yolanda Díaz.
As razões da mobilização dos apoiantes do Somar que falaram com a Lusa focam-se todas no "avanço da extrema-direita", que atribuem a "manipulações e mentiras" difundidas em redes sociais e "à ignorância" de pessoas que, na sua maioria, "não viveram na ditadura e não sabem o que isso significa".
As sondagens dão menos deputados ao VOX do que os atuais 52 que tem no parlamento espanhol. Dão-lhe, no entanto, mais poder, pela possibilidade de entrar no governo nacional.
"Temos de defender os direitos da natureza e das pessoas", vincou Nuria Velázquez, de 55 anos, ao lado do pai, de 89, que viajou com ela até Madrid, de carro, desde Múrcia, a cerca de 400 quilómetros, propositadamente para estarem nesta iniciativa de campanha do Somar.
"Estamos muito comprometidos com estas eleições e com a eleição de um governo que avance ou, pelo menos, que não retroceda", justificou Nuria.
Yolanda Díaz, como ministra do Trabalho, chega a estas eleições com um aumento de 47% do salário mínimo em quatro anos, uma taxa de desemprego historicamente baixa para os níveis espanhóis e uma diminuição da precariedade laboral no currículo.
De tudo isto faz gala nos comícios, contrapondo os seus métodos e resultados ao "modelo da austeridade" que a direita adotou na crise financeira anterior e que, assegura, o PP continua a defender.
"Acreditam que se teria feito o que se fez no Governo de Espanha se nós não estivéssemos?", questionou hoje, para tentar, por outro lado, diferenciar-se dos socialistas, a quem acusou de lhes "tremerem as pernas" perante alguns poderes e pressões.
Aos resultados na área laboral reivindicados pela ministra do Trabalho juntam-se outros de que se gaba a fação socialista do Governo: um crescimento da economia superior ao da média europeia e a inflação mais baixa da Europa (1,9% em junho).
Apesar disto, as sondagens são unânimes na derrota da esquerda nas eleições.
O comício de hoje do Somar atrasou-se quase uma hora, o que deu tempo para Pedro Ramírez, 29 anos, professor de Ciência Política numa universidade de Paris e um dos assistentes, explicar à Lusa que, entre outras coisas, houve "falta de tempo" para a sociedade espanhola incorporar algumas medidas dos últimos quatro anos e daí estas sondagens, apesar de os resultados na economia "em geral" estarem "bastante bem".
Para o académico, há o desgaste de um governo que enfrentou a pandemia e a crise inflacionista, a que se juntam "políticas sociais" que grupos de eleitores podem considerar demasiado radicais e "terem ido longe demais", como a designada "lei trans", que permite mudar de género sem necessidade de parecer médico a partir dos 12 anos.
São políticas de um governo "bem valorizado na Europa e por outros governos", mas que precisam de "mais tempo" para serem assimiladas pela sociedade, acrescentou.
As eleições espanholas estavam previstas para dezembro e foram antecipadas para 23 de julho, de forma inesperada, após a derrota da esquerda nas locais e regionais de 28 de maio, o que deu a eleitores e candidatos menos de dois meses para esta corrida eleitoral.
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