Num ambiente de crescente censura e de 'guerra' assumida pelos republicanos contra a cultura norte-americana, o antigo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, publicou esta segunda-feira uma carta aberta aos livreiros do país, insurgindo-se contra as proibições impostas a muitos livros escritos por autores 'queer' ou negros, em estados liderados pelos conservadores.
Na carta, publicada no Twitter, Obama começou por afirmar que "em qualquer democracia, a livre troca de ideias é uma parte importante em garantir que os cidadãos estão informados, interessados e sentem que as suas perspetivas importam".
No entanto, explica o primeiro (e até agora, o único) presidente negro do país demonstrou estar desgostoso com o tratamento dessa liberdade de expressão, criticando o esforço "profundamente equivocado" dos conservadores em banir livros das escolas.
"Alguns dos livros que marcaram a minha vida - e a vida de tantos outros - estão a ser desafiados por pessoas que discordam de certas ideias e perspetivas. Não é uma coincidência que estes 'livros banidos' são muitas vezes escritos por, ou apresentam, pessoas racializadas, pessoas indígenas ou membros da comunidade LGBTI+ (...). O impulso parece ser silenciar, em vez de abordar, debater, aprender ou procurar compreender visões diferentes da nossa", afirmou Obama.
A carta do antigo presidente é uma forma de apoio à campanha United Against Book Bans (do inglês 'Unidos Contra Proibições de Livros), uma campanha liderada pela Associação Livreira Americana (ALA).
Today, some of the books that shaped my life—and the lives of so many others—are being challenged by people who disagree with certain ideas or perspectives. And librarians are on the front lines, fighting every day to make the widest possible range of viewpoints, opinions, and… pic.twitter.com/txhCTfH3Gh
— Barack Obama (@BarackObama) July 17, 2023
A carta de Barack Obama surge numa altura em que os Estados Unidos passam por aquilo que líderes republicanos procuraram catalogar de 'guerra cultural', reagindo de forma negativa ao aumento de visibilidade de vários temas de direitos sociais. Esta reação tornou-se ainda mais veemente durante e após o mandato de Donald Trump, que radicalizou a maioria do Partido Republicano.
Atualmente, segundo os dados da ALA, um recorde máximo de "2.571 obras únicas foram atacadas pela censura", com um aumento de 38% comparativamente a 2021.
Esta censura, muitas vezes pedida por legisladores conservadores e por associações de pais, tem levado ao afastamento de livros que abordam direitos da comunidade LGBTI+, especialmente livros infantis com histórias de amor não-heteronormativas, ou que ajudem crianças e jovens 'queer' a responder a dúvidas. Outro tema que serve de justificação para os estados banirem livros é uma maior representatividade de pessoas negras em livros, e críticas mais constantes ao racismo estrutural na sociedade norte-americana. Alguns estados, como a Flórida, liderada pelo candidato presidencial Ron DeSantis, chegaram mesmo a banir livros de matemática que, considera, contém "racismo contra brancos".
Youth are empowered by reading books in which they can see their stories reflected: https://t.co/CwF2MOL09R Book bans suppress those stories. #UniteAgainstBookBans pic.twitter.com/EIm0pyNzSU
— UniteAgainstBookBans (@UABookBans) March 25, 2023
Para Barack Obama, esta abordagem por parte dos republicanos é "profundamente equivocada, ao contrário do que fez este país grande".
"Como disse antes, não só é importante para os jovens de todas as formas de vida verem-se representadas nas páginas dos livros, mas é também importante que todos nós abordemos diferentes ideias e pontos de vista", reiterou.
Barack Obama e a sua mulher, Michelle Obama, são dois dos autores mais lidos dos últimos anos, com Michelle a tornar-se numa das mais rápidas best-sellers do país com os seus livros 'Becoming' e 'The Light We Carry'. Ainda na carta, o ex-presidente cita vários autores, como Mark Twain, Walt Whitman e James Baldwin (um dos mais importantes escritores antirracistas de sempre), reafirmando que "ler sobre estas pessoas, cujas vidas foram tão diferentes das minhas, mostraram-me como calçar os sapatos dos outros".
"E o simples ato de escrever ajudou-me a desenvolver a minha própria identidade - e tudo isto tornou-se vital como um cidadão, como um organizador de comunidades e como presidente", sublinhou.
Além da carta, Barack Obama também surgiu num vídeo na rede social TikTok, na conta de uma livraria no estado do Illinois, que tem usado a plataforma para alertar os jovens para estas práticas de censura. O vídeo em causa contém funcionários a ler livros banidos, e a conta prometeu que serão divulgados mais conteúdos com o antigo líder.
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