Fim de campanha em Espanha com apelo ao voto útil contra extrema-direita
Espanha põe hoje fim a uma campanha eleitoral que, segundo defendem os analistas, teve num debate de televisão um "momento decisivo" e em que os dois maiores partidos acabaram a pedir o voto útil contra a extrema-direita.
© Reuters
Mundo Espanha/Eleições
Esta foi a segunda campanha eleitoral em dois meses em Espanha, que tem no domingo legislativas antecipadas depois de ter tido eleições regionais e municipais em 28 de maio.
Para Carlos Barrera, professor de comunicação política na Universidade de Navarra, a "uma certa saturação" dos espanhóis "com campanhas e mensagens políticas" - também por estas eleições ocorrerem em pleno verão e em época de férias - juntou-se uma ideia de que as legislativas de domingo são "uma espécie de segunda volta" das municipais e regionais de maio, que a direita venceu.
Neste contexto, a campanha que hoje termina teve um "tom geral de polarização, de extremos", num confronto entre esquerda e direita, como a de maio, com os grandes partidos a repetirem as mesmas estratégias, defende Carlos Barrera.
Para este académico, o Partido Popular (PP, direita), favorito nas sondagens e grande vencedor de 28 de maio, fez uma "campanha bastante conservadora, no sentido de tentar conservar o muito território já conquistado".
O PP insistiu nas últimas duas semanas na mensagem, que já tinha usado e funcionado nas eleições anteriores, de "revogar o Sanchismo", que os populares dizem ser as políticas e a forma de governar do atual primeiro-ministro, o socialista Pedro Sánchez, com concessões à esquerda radical e a separatistas, que dividiram e crisparam os espanhóis nos últimos quatro anos.
Do outro lado, o Partido Socialista (PSOE) tentou levantar um espírito de recuperação e inversão do resultado de 28 de maio e das sondagens, com o foco da mensagem na ameaça da entrada da extrema-direita no Governo.
Mas, como afirma o professor Carlos Barrera, manteve a "forte componente personalista" da campanha, muito centrada na figura do primeiro-ministro, o que pode ter vantagens na mobilização de algum eleitorado, "mas tem inconvenientes porque precisamente há setores extensos da população espanhola que estão bastante fartos de Pedro Sánchez, das políticas que levava a cabo, dos parceiros com quem governou".
O líder do PP, Alberto Núñez Feijóo, manteve-se na campanha em terreno seguro, apostou nos comícios e deu várias entrevistas, mas só aceitou participar num debate com outros candidatos, um "frente-a-frente" com Pedro Sánchez de que saiu vencedor, segundo todas as análises.
Já Sánchez partiu para a campanha "mais pró-ativo, incluindo mais agressivo, com mais aparições televisivas e entrevistas e muitíssimo mais disponível para debater", na análise da politóloga Astrid Barrio, professora de Ciência Política na Universidade de Valência.
Estas eram as estratégias dos dois candidatos que aspiram ser chefes de Governo e, para Carlos Barrera e Astrid Barrio, ambas foram surpreendidas com o único debate entre Sánchez e Feijóo na televisão, embora com resultados diferentes para socialistas e populares.
Carlos Barrera diz que no caso de Feijóo, que foi presidente do governo regional da Galiza durante quatro mandatos, "criou-se uma imagem nova" junto da generalidade dos espanhóis que "reforçou moralmente" o PP, com as sondagens dos dias seguintes ao debate a indicarem a consolidação da vantagem do partido.
Feijóo transmitiu no debate uma "imagem mais presidenciável" do que o próprio presidente do Governo, com Sánchez a mostrar-se "bastante nervoso" e até "mal preparado", sem conseguir rebater com dados as afirmações do líder do PP, numa aparente subestimação das capacidades do adversário, segundo Astrid Barrio.
Nas horas e dias seguintes ao debate, Feijóo foi confrontado com erros e dados incorretos que apresentou, com os socialistas a acusá-lo de mentir, o que, no entanto, parece não o ter prejudicado, pelo menos, substancialmente.
"Para convencer os seus (apoiantes) pesa mais a imagem presidencial que deu no debate do que a confusão com os dados que houve mais dias mais tarde", explica a politóloga Astrid Barrio.
As sondagens sempre deram a vantagem ao PP nestas eleições, como aliás sempre fizeram no último ano, desde que Feijóo assumiu a liderança do partido.
Porém, antes do debate entre Sánchez e Feijóo os estudos indicavam uma recuperação dos socialistas, que estagnou após o frente-a-frente.
"O debate a dois foi bastante determinante porque havia uma estratégia por parte do PSOE desenhada com base na ideia de dar uma imagem bastante agressiva e muito segura de si mesmo de Pedro Sánchez que, no meu entender, ficou muito desmentida", diz Astrid Barrio.
Também para Carlos Barrera "esta campanha se vai recordar especialmente pela incidência que há muito tempo não ocorria" de um debate entre dois candidatos, o que este analista diz só se lembrar de ter acontecido, na mesma dimensão, em 1993, com dois frente-a-frente entre José María Aznar (PP) e Felipe González (PSOE).
"Penso que foi o grande marco da campanha", reforça o professor da Universidade de Navarra, que fala também num "fiasco de Sánchez" no debate.
O PP acabou a campanha a pedir o "voto útil" no partido, para governar sozinho e não ter de se aliar "com os extremos", que são sinónimo de "bloqueios", numa referência ao partido de extrema-direita VOX e num contexto em que as sondagens dão a vitória, mas sem maioria absoluta, aos populares.
Também o PSOE tem insistido no "voto útil" nos socialistas contra a extrema-direita, num apelo muito dirigido a um eleitorado de esquerda que não foi votar em 28 de maio, como indicam os estudos eleitorais.
"Tenho bastantes dúvidas de que isto possa funcionar como aconteceu no passado, há cada vez mais a impressão de que a uma parte significativa do eleitorado não lhe dá medo o VOX, ou seja, o medo da extrema-direita não fará com que em 23 d julho preferiam ir votar a fazer outras coias", afirma Astrid Barrio, que chama a atenção para um dado inédito nas eleições domingo: "Ocorrem em plena canícula".
Para Carlos Barrera, após esta campanha, a única dúvida em relação ao resultado de domingo é "a magnitude da vitória do PP", se conseguirá um número suficiente de deputados para governar sozinho e para "não ter as mãos tão atadas em possíveis negociações com o VOX".
Já Astrid Barrio diz que as sondagens mais recentes indicam que nada "se mexeu muito" durante a campanha, que o PP se mantém "bastante à frente", mas não tem garantida a maioria absoluta e há cerca de 30% de indecisos, pelo que ainda se mantêm as expectativas de possibilidade de reedição da coligação de governo entre PSOE e extrema-esquerda.
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