Acompanhando a trégua de quatro dias, mediada pelo Qatar e Egito, e que entrou em vigor às 7 horas locais (5 horas em Lisboa), caravanas de ajuda humanitária puderam entrar na Faixa de Gaza, que se encontrava isolada e à beira do colapso, sem luz, água e combustível, e onde as unidades de saúde encerravam uma atrás da outra por falta de condições, com 2,4 milhões de habitantes do enclave a enfrentarem escassez de água e comida.
A pausa das hostilidades entrou em vigor após uma noite em que Israel continuou a atacar a Faixa de Gaza e em que o Hamas lançou mísseis contra dois colonatos israelitas situados perto do território palestiniano, cujos habitantes já tinham sido retirados.
A última madrugada foi uma igual às outras ao fim de mais de um mês e meio de bombardeamentos intensivos das forças israelitas no enclave palestiniano controlado pelo Hamas, a que seguiu uma invasão terrestre com o propósito declarado de aniquilar o movimento islamita, provocando, segundo o Governo local, cerca de 15 mil mortos, na maioria civis, 33.000 feridos, e 1,7 milhões de deslocados, de acordo com a ONU, em aglomerados urbanos reduzidos a pó.
No entanto, as colunas de fumo negro que pairavam no horizonte da Faixa de Gaza à hora do início da trégua foram sendo dissipadas com os acontecimentos do dia, afastando também temores sobre um acordo frágil desde o sangrento dia 7 de outubro, quando combatentes do Hamas invadiram o sul de Israel e massacraram cerca de 1.200 pessoas, segundo as autoridades de Telavive, e levaram mais de 200 na condição de reféns.
Às 16 horas locais (14 horas em Lisboa), o Hamas continuava a cumprir o acordado e começou a libertar a primeira parte dos reféns envolvidos no entendimento, 24 ao todo, incluindo 13 israelitas, 10 tailandeses e um filipino, entregues à Cruz Vermelha Internacional.
Ao fim do dia, o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, confirmou que Adina Moshe, 72 anos, uma dos reféns israelitas libertados também tinha nacionalidade portuguesa.
"Tínhamos esperança e confirma-se que saiu", comentou o chefe da diplomacia portuguesa, que hoje realiza uma visita a Israel e Cisjordânia.
Quatro crianças, uma das quais de 2 anos, e seis idosas com mais de 70 também constam da lista oficial dos reféns hoje libertados pelo Hamas e, segundo a comunicação social israelitas, 12 pertenciam ao 'kibutz' Nir Oz, um dos mais atingidos pelo Hamas no seu ataque brutal de 7 de outubro e onde foram sequestradas cerca de 80 pessoas.
Os reféns foram transportados em ambulâncias para Kerem Shalon, um posto fronteiriço entre o Egito e Israel que também liga à Faixa de Gaza.
De acordo com o plano, uma vez chegados a território israelita, os reféns foram levados em helicópteros militares para Hatzerim, uma base militar da Força Aérea no deserto do Neguev, perto da cidade de Beersheva, e dali para cinco hospitais nas imediações de Telavive.
Várias televisões mostraram em direto a saída dos reféns por Rafah, imagens em que se viu uma idosa a saudar as pessoas concentradas junto ao terminal fronteiriço.
À semelhança do que acontece todas as sextas-feiras, hoje, representantes de famílias dos reféns e centenas de israelitas organizaram uma receção do Shabat, em memória dos mais de 240 sequestrados do Hamas no centro de Telavive, que contou com a presença do ministro do Gabinete de Guerra, Benny Gantz.
Mais tarde, coube a Israel cumprir a sua parte do acordo e libertar por sua vez 39 palestinianos que se encontravam em três prisões israelitas. Vinte e oito foram deixados na Cisjordânia, enquanto os outros 11 foram levados para Jerusalém Oriental.
No grupo estavam 15 menores e 24 mulheres, segundo a lista divulgada pela comissão responsável pelos prisioneiros da Autoridade Palestiniana, num dia marcado por reencontros mas sem lugar a festejos exuberantes em Israel, onde a polícia anunciou que proibia qualquer celebração da libertação de prisioneiros em Jerusalém.
A trégua permitiu à ONU aumentar a entrega de ajuda humanitária na Faixa de Gaza onde foram hoje descarregados 137 camiões, segundo a agência das Nações Unidas responsável pela coordenação humanitária (OCHA), a "maior caravana humanitária" a entrar no enclave desde o início do conflito.
A agência especificou que 129 mil litros de combustível também conseguiram atravessar a fronteira para o território e que 21 doentes em situação crítica foram retirados do norte do enclave.
No rescaldo do dia, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, saudou a libertação dos primeiros reféns do Hamas e prometeu o regresso de "todos os raptados".
"Concluímos o retorno do primeiro dos nossos sequestrados. As crianças, as suas mães e outras mulheres. Cada uma delas é um mundo inteiro", disse o chefe do governo numa mensagem em vídeo, embora já tenha avisado que esta trégua não significa o fim dos combates com o Hamas.
O movimento palestiniano divulgou, ao final do dia, um vídeo mostrando alguns dos seus milicianos, encapuzados e fortemente armados, a entregarem a elementos da Cruz Vermelha crianças e idosos libertados.
Em Washington, o Presidente norte-americano, Joe Biden, reiterou os apelos para uma "solução de dois estados", a fim de "acabar com o ciclo de violência no Médio Oriente" e afirmou que a libertação dos primeiros reféns "é apenas o começo", estimando ainda que existem "possibilidades reais" de prolongar a trégua.
Estima-se que as milícias palestinianas em Gaza tenham como reféns cerca de 240 pessoas, cerca de 210 nas mãos do Hamas e outras 30 da Jihad Islâmica.
Israel e o Hamas chegaram a um acordo para um cessar-fogo, que permitirá a libertação de 50 reféns israelitas que as milícias islamitas mantêm dentro da Faixa de Gaza, em troca da libertação de 150 prisioneiros palestinianos. Em ambos os casos, são mulheres e menores.
A trégua que hoje entrou em vigor poderá ser prorrogada por mais um dia até um máximo de dez dias, sendo cada um deles um teste a duas partes que há muito não experimentavam o diálogo.
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