Israel gera "repugnância" e "culpa por pecados imperiais"
O historiador Simon Sebag Montefiore defende que o Médio Oriente gera um sentimento de propriedade no Ocidente devido à sua cultura judaica-cristã, mas também de repugnância e culpa em relação em Israel por ser visto como um último império.
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Mundo Historiador
A ofensiva israelita na Faixa de Gaza, que já provocou mais de 16 mil mortos, na maioria civis - segundo as autoridades locais -, em retaliação ao ataque do movimento islamita palestiniano Hamas, que massacrou 1.200 pessoas, tem gerado amplas manifestações de sinal contrário em todo o mundo, frequentemente acompanhadas de expressões de ódio e intolerância.
Em entrevista à Lusa, o historiador e escritor britânico, autor de "Jerusalém -- Uma Biografia", assinala que os acontecimentos no Médio Oriente têm "uma influência especial nos assuntos mundiais", antes de tudo, porque o petróleo está lá, é o cruzamento de placas tectónicas de poder", envolvendo rivais regionais, Estados Unidos, Rússia e China, num mundo que ainda funciona numa economia de carbono.
Mas trata-se também da Terra Santa, da Cidade Sagrada e da Bíblia, o que leva a que o Ocidente sinta que tenha "um sentimento de propriedade do Médio Oriente" e faça uma espécie de investimento em Israel.
"Isso faz-nos examinar este conflito com muito mais cuidado, mantê-lo em padrões mais elevados do que em qualquer outro lugar e realmente concentrar-nos nele de uma maneira que não fazemos em nenhuma outra guerra, por maior que seja", afirma o historiador, que esteve em Lisboa como convidado do ciclo de 'videocasts' "Isto não é assim tão simples", da Fundação Francisco Manuel do Santos, e num momento em que foi publicada pela Planeta a edição portuguesa da sua obra "O Mundo -- Uma História da Humanidade".
Deste modo, diz o autor nascido em Londres há 58 anos e que adquiriu recentemente a nacionalidade portuguesa, graças à sua ascendência sefardita, uma parte do poder que o Médio Oriente gera no Ocidente tem a ver com a forma como a civilização judaico-cristã se expandiu no Ocidente.
"Outra parte é o modo como Israel se desenvolveu, que faz com que seja considerado uma espécie de um dos últimos impérios, e agora há, especialmente na Grã-Bretanha e na América, um sentimento de repugnância e culpa por pecados imperiais", defende.
Em suma, Israel "parece representar uma certa ideologia descolonizadora que se tornou muito atual", no Médio Oriente como centro de geopolítica mundial, mas é, ao mesmo tempo, uma "moralidade hipócrita", observa o historiador, aludindo ao título do debate que protagonizou em Lisboa: "Isto não é assim tão simples".
Observando os acontecimentos dos últimos dois meses, Simon Sebag Montefiore considera que "o Hamas saiu dos limites da conduta civilizada e tem de ser removido, e isso só é feito pela guerra", concedendo que a brutalidade que marcou as primeiras semanas de retaliação de Telavive tem de ser mudar, porque "os civis palestinianos importam tanto como os civis israelitas".
No entanto, adverte que "extremamente difícil combater contra o Hamas, que está a usar escudos humanos, sacrifícios humanos, para lutar e Israel não deve cair nessa armadilha", ao mesmo tempo que enfrenta a equação entre exterminar o grupo palestiniano e perder a simpatia do mundo e ainda avaliar o que ficará no seu lugar no pós-guerra, "que pode ser igual ou pior".
Traduzido em 48 línguas e especializado na Rússia, Simon Sebag Montefiore considera que a história é muitas vezes escrita e moldada pelos vencidos e não faltam casos de "paz implacável", que se se virou contra os vencedores em algum momento, como a Alemanha em 1918, a União Soviética em 1991 ou o próprio Médio Oriente no passado.
"Isto só mostra que a derrota porque pode criar uma vitória arrogante em que se esquece das consequências e, quanto mais generosos forem os vencedores com os perdedores o menos eles retornarão com amargura", diz o historiador, observando que, "se Israel tivesse sido realmente astuto, teria trocado a Cisjordânia imediatamente por algum tipo de tratado de paz mais amplo".
Simon Sebag Montefiore tornou-se nas últimas semanas cidadão português, beneficiando da lei que o permite aos descendentes de judeus sefarditas, e, no seu novo livro, "O Mundo -- Uma História da Humanidade", editado pela Planeta, o autor conta as amplas transformações globais através da narrativa íntima e biográfica de dezenas de famílias, em que não faltam os Avis, os Bragança, protagonistas do império e Salazar.
"Portugal é um lugar fascinante e tem uma cultura encantadora, É também o aliado mais antigo da Grã-Bretanha, então há todo o tipo de interesse em ser português e estou muito orgulhoso disso", afirma o historiador, que pesquisou o seu passado e descobriu na sua ascendência um judeu sefardita que fugiu há cerca de 500 anos para os Países Baixos, esperando, de seguida conseguir igualmente a nacionalidade portuguesa para a sua mulher e para os seus filhos.
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