Metade do mundo vai às urnas em 2024 em contexto de ameaças à Democracia
Quase metade da população mundial vai a eleições em 2024, num ato de democracia que, paradoxalmente, enfrenta um contexto de diversas ameaças, nomeadamente a de fazer crescer a extrema-direita em vários Estados e no Parlamento Europeu.
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Mundo Eleições
As eleições, que vão acontecer em 76 países nomeadamente em vários Estados-membros da União Europeia (UE), Estados Unidos, Rússia, Índia, Indonésia, México, Venezuela, Irão ou Taiwan, irão realizar-se num cenário de duas guerras de grande impacto internacional, como são o conflito entre a Ucrânia e a Rússia e o confronto entre Israel e o grupo islamita palestiniano Hamas, mas também de risco de recessões económicas e de uma crescente tensão migratória.
Embora as eleições sejam consideradas um ato de democracia por excelência, as do próximo ano serão vividas sob o espetro de um declínio geral dos direitos cívicos.
Segundo o último relatório do Instituto para a Democracia e Assistência Eleitoral, sedeado em Estocolmo, a democracia enfrenta sérias ameaçadas em todo o mundo que passam pela integridade dos processos eleitorais, a independência do poder judicial, a segurança, a liberdade de expressão e de reunião.
Entre as mais importantes eleições já agendadas contam-se as seguintes:
Estados Unidos: A possibilidade de um 'déjà vu'
No dia 05 de novembro, dezenas de milhões de norte-americanos vão às urnas para designar os seus "delegados", responsáveis pela escolha do nome que irá ocupar a Sala Oval da Casa Branca.
A 60.ª eleição presidencial dos Estados Unidos da América (EUA) provavelmente parecerá um 'déjà vu', já que se espera um novo confronto entre o Presidente democrata cessante, Joe Biden, de 81 anos, e o seu antecessor republicano, Donald Trump, atualmente com 77 anos.
Esta previsível luta de veteranos - ainda falta saber, nas primárias, se serão estes dois a representar os partidos Democrata e Republicano - acontecerá depois das polémicas sobre informações falsas em torno das eleições presidenciais de 2020. Trump nunca admitiu a sua derrota e muitos norte-americanos acreditam que o voto lhes foi "roubado".
Por seu lado, Biden viu o Congresso aprovar, este mês, a abertura formal de um inquérito de 'impeachment' (destituição) para apurar se o Presidente beneficiou de forma ilegal de negócios feitos pelo seu filho na China e na Ucrânia.
Embora esta destituição tenha poucas probabilidades de avançar - já que a decisão cabe ao Senado, onde o partido Democrata tem maioria -, a situação poderá afetar a imagem de Biden, já fragilizada pela sua idade.
Rússia: Oposição amordaçada
As presidenciais estão marcadas para março, mas o resultado é já previsível. O atual Presidente russo, Vladimir Putin, anunciou, no início deste mês, a sua recandidatura, depois de 24 anos a gerir o país.
Putin, que tem 71 anos, alterou, em 2020, a Constituição para poder recandidatar-se, o que, teoricamente, o autoriza a permanecer no poder até 2036, ultrapassando Joseph Estaline em termos de longevidade no Kremlin.
Estas serão as primeiras eleições a nível federal desde que a Rússia iniciou o conflito na Ucrânia, em fevereiro de 2022, mas, apesar de os partidos terem apresentado pelo menos mais oito candidatos, ninguém espera que algum seja um adversário de facto de Putin.
Nos últimos anos, o Kremlin adotou uma política de repressão da oposição e da sociedade civil russas, pelo que os principais opositores políticos estão exilados ou presos e muitos deles morreram em circunstâncias suspeitas. A repressão aumentou dramaticamente desde o início da guerra com a Ucrânia.
A Ucrânia é precisamente um dos países onde, segundo o calendário eleitoral, deveria ser eleito um novo chefe de Estado em 2024, mas é pouco provável que sejam marcadas eleições.
O mandato do Presidente Volodymyr Zelensky termina a 31 de março, mas enquanto estiver em vigor a lei marcial, devido à guerra com a Rússia, os eleitores não serão chamados às urnas.
Índia: Quase mil milhões de eleitores
Cerca de 945 milhões de indianos serão chamados às urnas em maio para as eleições gerais deste país, que se tornou o mais populoso do mundo em 2023, ultrapassando a China.
O BJP, o partido do primeiro-ministro Narendra Modi, no poder desde 2014, é tido como vencedor, com larga margem nas sondagens, já que o seu nacionalismo atrai a maioria hindu da população.
Esta eleição vai acontecer num contexto de regressão dos direitos políticos e das liberdades civis, segundo a organização não-governamental (ONG) Freedom House.
Liderado por Rahul Gandhi, o Partido do Congresso, outrora força dominante mas agora muito enfraquecida, tentou formar uma grande coligação com diferentes partidos da oposição regional para desafiar Modi.
UE: Votação transnacional gigante
Mais de 400 milhões de eleitores de 27 países europeus serão chamados a escolher os 720 eurodeputados que compõem o Parlamento Europeu no início de junho (entre os dias 06 e 09), numa gigantesca votação transnacional que irá avaliar o impacto da subida das extremas-direitas em vários dos Estados e será marcada pela questão das migrações.
A eleição vai determinar o rumo da política comunitária, que poderá passar a enfrentar um novo aumento das forças eurocépticas, à semelhança do surpreendente triunfo do partido islamofóbico de extrema-direita PVV nas eleições legislativas dos Países Baixos.
A votação será também marcada pelo aumento da inflação nos anos mais recentes, que atingiu fortemente a carteira dos europeus.
Europa com sete Estados em eleições
Portugal
É um dos países europeus que irá, no próximo ano, às urnas. As legislativas vão decorrer a 10 de março e foram antecipadas na sequência da demissão do primeiro-ministro, o socialista António Costa, que considerou não ter condições de continuar a ocupar o cargo após ter conhecimento de que era alvo de uma investigação.
Para já as sondagens mostram uma contagem renhida entre PS e PSD, mas uma das principais questões do escrutínio será a possível subida da extrema-direita representada pelo Chega.
Áustria
As eleições austríacas, que deverão decorrer no outono, estão a causar preocupações em Bruxelas, já que o partido da extrema-direita, o Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ), tem vindo a ganhar cada vez mais intenções de voto.
Segundo as últimas sondagens, o partido é atualmente o mais popular, chegando a 30% das intenções de voto. Em 2020, o FPÖ tinha 11%.
Bélgica
Realiza as europeias e as federais no mesmo dia, a 09 de junho, e as previsões são difíceis de fazer, já que o país é conhecido pela sua política fraturada e pelos complexos acordos de partilha do poder.
Finlândia
O próximo Presidente será eleito a 28 de janeiro, 11 meses depois da então primeira-ministra, Sanna Marin, do Partido Social Democrata, ter sido derrotada pelo centro-direita.
Apesar de o partido Coligação Nacional ter conseguido vencer, a margem em relação ao segundo mais votado - o Partido dos Finlandeses, de extrema-direita - foi muito pequena.
Reino Unido
O primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, anunciou, na semana passada, que haverá eleições em 2024, mas ainda sem data marcada. Embora se estime que aconteçam entre setembro e novembro, poderão ser antecipadas para o primeiro semestre.
As eleições decorrem depois de um 2023 marcado pelas maiores greves dos últimos 12 anos e com uma controversa lei sobre imigração a provocar debates acalorados.
Eslováquia
As presidenciais decorrem em abril, depois de, em outubro, o país ter escolhido o Partido populista Smer-SD para formar novo Governo, liderado por Robert Fico, um defensor da Rússia na guerra contra a Ucrânia.
Lituânia
Também tem presidenciais marcadas para 12 de maio, nas quais o atual Presidente, Gitanas Nauseda, é o principal favorito. Nauseda é o chefe de Estado do país desde 2019 e goza de grande popularidade no país, que declarou independência da União Soviética há mais de 30 anos e tem sido um forte apoiante da Ucrânia.
Indonésia: As maiores eleições num só dia
A Indonésia irá realizar eleições gerais em 14 de fevereiro, devendo ser a maior eleição de sempre num único dia, com mais de 200 milhões de eleitores a serem chamados a votar para o parlamento e para a chefia de Estado.
O centro-esquerda PDI-P deverá vencer as eleições legislativas e presidenciais, de acordo com as últimas sondagens.
México: A provável estreia das mulheres
Uma mulher poderá tornar-se, em junho e pela primeira vez na história do México, Presidente da República, o que constituirá um marco importante num país que regista milhares de feminicídios por ano.
Duas mulheres estão na calha para suceder a Andrés Manuel López Obrador: a favorita nas sondagens é a ex-presidente da câmara municipal da Cidade do México Claudia Sheinbaum, do partido do Governo, o Movimento social-democrata de Regeneração Nacional (Morena), que terá de enfrentar a senadora Xochitl Galvez, representante de uma coligação que reúne três partidos de oposição.
Irão: 18 meses após a morte de Mahsa Amini
As eleições legislativas serão realizadas no dia 01 de março, 18 meses após a morte da jovem curda Mahsa Amini. A morte desta mulher, de 22 anos, aconteceu enquanto estava sob custódia policial, depois de ter sido detida por alegadamente estar a usar indevidamente o véu islâmico. Episódio que desencadeou meses de manifestações massivas contra líderes políticos e religiosos.
O movimento, duramente reprimido com centenas de mortes e milhares de prisões, já foi chamado de 'revolução das mulheres', popularizando-se em todo o mundo e conquistando a solidariedade internacional, nomeadamente através de alguns dos principais prémios do mundo, como o Nobel da Paz ou o Prémio Sakharov.
Venezuela: O "referendo" da oposição
Associado a uma grave crise política e económica que empurrou mais de sete milhões de pessoas para o exílio, Nicolás Maduro, sucessor de Hugo Chávez (1999-2013), ambiciona conquistar um terceiro mandato nas presidenciais do segundo semestre de 2024.
A sua reeleição em 2018, considerada quase unanimemente fraudulenta, não foi reconhecida por muitos países.
A oposição, que se absteve de participar nessas eleições, decidiu agora comparecer, depois de uma longa negociação política para obter garantias de transparência e justiça eleitoral.
A grande questão é se a ex-deputada María Corina Machado, eleita nas primárias mas desqualificada por ocupar cargos públicos eleitos, poderá ser a candidata da oposição.
Os Estados Unidos, que em outubro aliviaram, durante seis meses, o embargo petrolífero à Venezuela, detentora das maiores reservas de crude do mundo, apelam ao levantamento da inelegibilidade dos opositores, incluindo o de María Corina Machado.
A América Central e Latina vão viver, no próximo ano outras sete eleições, nomeadamente em El Salvador, Nicarágua, Haiti, Guatemala, Panamá, República Dominicana e Uruguai.
Taiwan: Reforço da tensão com a China
Taiwan começa o ano com eleições presidenciais, marcadas para 13 de janeiro, numa altura de crescente tensão entre Taipei e Pequim, que reivindica soberania sobre a ilha.
O candidato do Partido Democrático Popular (PDP, pró-independência), no poder, que é atualmente vice-presidente, William Lai, é o favorito à sucessão da atual Presidente, Tsai Ing-wen, segundo as sondagens.
Um dos principais temas da votação de Taiwan é a forma como os candidatos presidenciais irão lidar com a China.
As autoridades de Taiwan têm expressado repetidamente a sua preocupação com a interferência de Pequim nas próximas eleições, nomeadamente com campanhas de desinformação.
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