UE e Estados redobraram repressão a migrantes em 2023
A União Europeia (UE) e os Estados-membros redobraram, em 2023, as medidas repressivas de dissuasão de imigração e as alianças com países que desrespeitam os direitos humanos, acusa a Human Rights Watch (HRW) no seu relatório anual, hoje divulgado.
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Mundo HRW
Apesar de os Estados-membros e as instituições da UE terem criado, em 2023, novos compromissos e renovado os existentes para defender e proteger os direitos dos migrantes, "a vontade de os cumprir ficou, muitas vezes, aquém" do acordado, destaca o documento da organização não-governamental (ONG) de defesa dos direitos humanos.
"Os grandes naufrágios ao largo de Itália, em fevereiro, e da Grécia, em junho, destacaram as consequências mortais da abordagem da UE à migração" que atravessa o Mediterrâneo para entrar na Europa, refere a HRW.
O naufrágio de fevereiro, perto da cidade italiana de Steccato di Cutro, provocou pelo menos 70 mortos, embora o número possa ser maior, já que estavam cerca de 180 migrantes no barco que partiu da Turquia e apenas 80 pessoas foram resgatadas com vida.
No caso ocorrido ao largo da Grécia, considerado um dos maiores naufrágios do Mediterrâneo Oriental das últimas décadas, foram encontrados 82 corpos, mas entre as cerca de 750 pessoas que partiram da Líbia na traineira envolvida no acidente, apenas 104 foram retiradas vivas do mar.
Neste caso, os sobreviventes decidiram processar as autoridades por não os terem resgatado antes da embarcação se afundar, já que a guarda costeira grega acompanhou parte da viagem, da Líbia para Itália.
Apesar das tragédias e dos apelos para que os Estados cumpram os seus deveres de direito humanitário e ajudem migrantes em risco, os países e a UE continuam a optar por acordos para manter os refugiados em Estados terceiros, mesmo que estes sejam abusivos dos direitos, e a dificultar o trabalho das organizações de resgate, aponta a HRW.
"A União Europeia aprofundou a sua cumplicidade com os abusos feitos a migrantes na Líbia ao entregar pelo menos cinco barcos à guarda costeira da Líbia, medida que a ONU classificou como possível crime contra a humanidade", acusa a ONG no relatório, acrescentando que, em julho, "a UE prometeu 105 milhões de euros à Tunísia para gerir migrantes, apesar dos graves riscos para os refugiados e requerentes de asilo e do discurso racista e xenófobo praticado ao mais alto nível no Governo tunisino".
As ONG de resgate de migrantes no mar, que já enfrentavam obstruções, receberam, no ano passado, ordens da Itália para passarem a desembarcar os migrantes na Tunísia.
Num ano em que, segundo denuncia a HRW, a Comissão Europeia "reiterou políticas abusivas e ineficazes", Bruxelas voltou a mostrar que tem dois pesos e duas medidas em relação aos migrantes, ao prorrogar a proteção temporária e vários benefícios aos 4,2 milhões de refugiados da guerra na Ucrânia.
A organização de defesa dos direitos humanos refere ainda que, no ano passado, Estados da UE - como a Bulgária, a Croácia, a Polónia, a Grécia, a Hungria, a Lituânia e a Letónia - continuaram a repelir ilegalmente migrantes das suas fronteiras, enquanto a Itália e Malta facilitaram interceções no mar e expulsões para a Líbia.
Num ano em que, de acordo com a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), quase 250 mil pessoas chegaram irregularmente às fronteiras do sul da UE e pelo menos 2.594 morreram ou desapareceram na tentativa de atravessarem o Mediterrâneo - números que, em ambos os casos, ficam muito acima do total de 2022 -, aumentou também "a discriminação e a intolerância", tanto em relação aos migrantes mas também em relação às estruturas de apoio, relata a HRW.
A Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA) "observou uma pressão crescente sobre grupos que protegem os direitos dos migrantes e refugiados nas fronteiras da Grécia, Itália, Hungria, Letónia, Polónia, entre outros", refere a organização no relatório.
Mas a discriminação na UE não aumentou apenas em relação aos migrantes, lamenta a HRW.
"A Comissão contra o Racismo e a Intolerância do Conselho da Europa identificou discriminação contínua contra lésbicas, gays, bissexuais, transgénero e intersexuais [comunidade LGBTI], ciganos e migrantes como tendências principais na Europa, incluindo nos Estados-membros da UE", recorda a organização de defesa dos direitos humanos.
Por outro lado, seis dos Estados da UE - Bulgária, República Checa, Hungria, Letónia, Lituânia e Eslováquia - ainda não ratificaram a Convenção sobre Prevenção e Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Convenção de Istambul) e o Grupo de Trabalho do Parlamento Europeu contra o Antissemitismo sublinhou a necessidade de combater este tipo de discriminação no espaço comunitário.
Os relatos de antissemitismo "aumentaram significativamente em França e na Alemanha após os ataques realizados em 07 de outubro pelo grupo islamita Hamas e a resposta de Israel", denuncia a HRW citando um relatório da FRA, acrescentando que "há também relatos preocupantes de um aumento de incidentes islamofóbicos nos Estados da UE" em 2023.
A organização aponta ainda o dedo a dois países do bloco europeu em particular - Hungria e Polónia - pela "persistência dos seus Governos no desrespeito pelos valores democráticos e direitos humanos".
"Nem a Hungria nem a Polónia receberam fundos de recuperação da UE relacionados com a pandemia de covid-19 por não cumprirem os parâmetros", afirma a HRW, adiantando que, na Polónia, continuam as violações relacionadas com o sistema de Justiça, enquanto na Hungria se mantém a corrupção, a dependência judicial e a falta de transparência nas decisões.
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