Num relatório hoje difundido, o Departamento de Estado acusa o Presidente russo, Vladimir Putin, de reatar o antissemitismo usado "durante mais de um século" pelas autoridades czaristas, soviéticas e agora da Federação Russa, com o objetivo de "desacreditar, dividir e enfraquecer os seus supostos adversários no país e no estrangeiro".
"O Kremlin retrata falsamente a Ucrânia e os seus apoiantes como nazis, antissemitas e 'russófobos', demoniza o Presidente judeu da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, acusa os judeus de serem os piores nazis e manipula a história do Holocausto para fins políticos", descreve o documento do Departamento de Estado.
O relatório sustenta que a retórica antijudaica é também usada como instrumento para "silenciar os judeus na Rússia que se opõem à guerra" na Ucrânia e cita novas informações em posse do Governo norte-americano de que o Serviço Federal de Segurança (FSB) russo "forneceu financiamento e tarefas diretas para divulgar conteúdo 'online' que tem sido frequentemente apresentado juntamente com conteúdo antissemita".
Atualmente, os responsáveis do Kremlin e os meios de comunicação estatais "espalham teorias da conspiração, alimentando o antissemitismo destinado a enganar o mundo sobre a sua guerra contra a Ucrânia", afirma o relatório, alertando para "uma longa tradição" que via criar "divisão e descontentamento".
O relatório divulgado pela diplomacia norte-americana procura documentar como o Kremlin utiliza o antissemitismo e falsidades para "transferir a culpa e distorcer os acontecimentos mundiais" em relação ao conflito na Ucrânia, e também oferecer uma visão histórica sobre "esta técnica insidiosa" para a Rússia alcançar os seus fins.
O Departamento de Estado indica igualmente que o Kremlin "mobiliza grupos neonazis abertamente antissemitas, como a Task Force Rusich, para travar a sua guerra contra a Ucrânia", enquanto "espalha teorias de conspiração antissemitas, jogando com preconceitos seculares para enganar o público sobre as alegadas intenções hostis do mundo em relação à Rússia e para fazer do povo judeu bode expiatório".
No relatório é explicado que a Rússia utiliza expressões como "o bilião de ouro", numa referência a um alegado controlo mundial judaico com más intenções, reforçado por um ambiente de desinformação e propaganda que tem como alvo "figuras judaicas proeminentes para serem retratadas como marionetas por detrás de cabalas secretas que procuram dominar a política e a economia mundiais"
Por fim, refere que os serviços de segurança da Rússia e figuras religiosas proeminentes tentam ressuscitar a antiga conspiração antissemita de "difamação de sangue", acusando os judeus de assassínios ritualísticos.
"A exploração do antissemitismo pelas autoridades russas como tática para espalhar desinformação e propaganda tem mais de cem anos", afirma o Departamento de Estado, e um dos primeiros exemplos foi "a fabricação, pelo Serviço de Segurança Czarista do Império Russo, dos agora infames Protocolos dos Sábios de Sião, no início do século XX".
Segundo o documento, o ditador soviético Joseph Stalin usou o discurso contra os judeus para "consolidar o seu poder" e, no final da década de 1930, "lançou esforços para eliminar sistematicamente a influência judaica em todas as esferas da sociedade soviética, consolidando o antissemitismo como uma política oficial do Estado".
Até à sua morte, em 1953, o aparelho de segurança soviético continuou a implementar "campanhas de desinformação antissemita -- tais como a caça às bruxas contra 'cosmopolitas sem raízes', o ataque ao Comité Antifascista Judaico e a célebre 'Conspiração dos Médicos' -- para retratar os judeus soviéticos como traidores e espiões ocidentais".
Nas três décadas seguintes, a principal organização soviética de serviços secretos, KGB, implementou várias "medidas ativas" antissemitas para desacreditar os seus adversários, como a Igreja Católica, a Alemanha Ocidental e os Estados Unidos, bem como o movimento sionista e os dissidentes judeus soviéticos.
Na atualidade, o Departamento de Estado acusa Vladimir Putin e o Kremlin de usarem o seu "aparelho de desinformação e propaganda" para explorar "preconceitos antijudaicos seculares" e servir os seus interesses estatais.
"Os ocupantes do Kremlin das eras czarista e soviética, e agora os atuais, trabalharam para desacreditar, dividir e enfraquecer os seus supostos adversários, acusando-os falsamente de nazismo, tentando semear a discórdia nas suas sociedades e espalhando conspirações antijudaicas", resume o relatório,
A Rússia invadiu a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, com o argumento de proteger as minorias separatistas pró-russas no leste e "desnazificar" o país vizinho, independente desde 1991 após a desagregação da antiga União Soviética e que tem vindo a afastar-se do espaço de influência de Moscovo e a aproximar-se da Europa e do Ocidente.
No sábado assinala-se o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, ou 'Shoah' em hebraico, que coincide com o aniversário da libertação pelo Exército soviético do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, em 27 de janeiro de 1945 na Polónia ocupada pela Alemanha nazi, após a eliminação pelo Terceiro Reich de um número calculado em seis milhões de judeus.
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