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Os embriões que são crianças extra-uterinas

Um artigo de opinião assinado por Dantas Rodrigues, advogado, professor de Direito, especialista em Direito Internacional e sócio-partner da Dantas Rodrigues & Associados.

Os embriões que são crianças extra-uterinas
Notícias ao Minuto

11:50 - 02/04/24 por Notícias ao Minuto

Mundo Artigo de opinião

"No que ao direito e à justiça diz respeito, os Estados Unidos da América são muito diferentes da Europa. Os europeus seguiram o sistema da «Civil Law», influenciado pelas raízes do direito romano (da Antiga Roma); onde os tribunais devem apenas aplicar as leis existentes que foram elaboradas pelo poder político legislativo, abstendo-se os juízes de extrapolações interpretativas que não respeitem a lei.

Quanto aos norte-americanos (canadianos incluídos) e outros povos sob domínio do Império Britânico, de que os australianos são um exemplo, adotaram o sistema de «Common Law». Sistema em que os tribunais beneficiam de mais autonomia, através das suas sentenças, interpretam a lei e desenvolvem a aplicação do direito, sendo a jurisprudência respeitada na resolução de casos semelhantes no futuro. Exemplificando: um tribunal federal pode recusar-se a cumprir uma lei aprovada pelo Congresso, caso entenda que essa mesma lei seja incompatível com a interpretação da Constituição.

Embora ambos os sistemas jurídicos sejam divergentes, todas as decisões inovadoras trazem, mais cedo ou mais tarde, uma notória influência no direito europeu. É o caso da sentença do Supremo Tribunal do Alabama, nos EUA, que decidiu, em 16 de fevereiro último, que os embriões congelados em clínicas são, para efeitos legais, considerados pessoas humanas, concretamente «crianças extra-uterinas». Aquele Tribunal é a última instância jurisdicional do referido Estado, sendo responsável por interpretar a respetiva Constituição e rever, por recurso, as decisões judiciais tidas por erradas, provenientes dos seus tribunais inferiores.

O litígio em causa diz respeito a casais de pais de vários filhos ainda em estado embrionário, cada um dos quais concebido através de fertilização in vitro: James LePage e Emily LePage são os geradores de dois embriões designados «Embrião A» e «Embrião B»; William Tripp Fonde e Caroline Fonde são os pais de dois outros embriões denominados «Embrião C» e «Embrião D»; e, por fim, Felicia Burdick-Aysenne e Scott Aysenne são os pais de um embrião chamado «Bebé Aysenne». 

Entre 2013 e 2016 cada um desses casais foi a uma clínica de fertilidade pertencente ao Centro de Medicina Reprodutiva, a fim de se submeter a terapêuticas de fertilização in vitro. Durante essas terapêuticas, os médicos conseguiram ajudar os queixosos a produzir filhos, juntando os óvulos das mães in vitro, ou seja, fora dos seus corpos.

O Centro gerou artificialmente cada embrião até «alguns dias de idade» e, depois, colocou-os num «berçário criogénico», ou seja, numa instalação construída para manter vivos os embriões extra-uterinos numa fase fixa de desenvolvimento, preservando-os a uma temperatura extremamente baixa. 

Os queixosos alegam que o Centro de Medicina Reprodutiva era obrigado a manter o «berçário criogénico» seguro e monitorizado ininterruptamente. Acontece que, em dezembro de 2020, um paciente conseguiu entrar nas instalações da própria clínica de fertilidade do Centro, retirando vários embriões. Ora bem, uma vez que estes se encontravam a baixas temperaturas, o paciente deixou-os cair no chão, inviabilizando a sua utilização futura para efeitos de gestação.

Esta sentença põe desse modo termo às terapêuticas de reprodução a casais com problemas de fertilidade que desejem ter filhos, seja por inseminação artificial, seja por fecundação in vitro 

Perante este acontecimento, os casais de queixosos interpuseram duas ações judiciais contra o Centro e a Associação, tendo por base a Lei do Alabama sobre a Morte Indevida de um Menor.

Enquanto que os arguidos (Centro e Associação) defendem que o Tribunal deve reconhecer tal exceção porque, dizem eles, uma criança por nascer deixa de ser qualificada como «criança» ou «pessoa» se não estiver contida num útero biológico, os queixosos, por seu turno, argumentam que a exceção proposta para «crianças extra-uterinas» introduziria descontinuidade na lei do Alabama, na medida em que tal exceção privaria os pais de qualquer demanda civil contra alguém que mata o seu filho por nascer numa situação de «nascimento parcial», isto é, depois de a criança ter saído do útero, mas antes de ter saído completamente do canal de parto.

O tribunal de primeira instância explicou que «[o]s embriões in vitro criopreservados envolvidos neste caso não se enquadram na definição de "pessoa" " ou de "criança"», pelo que considerou que a sua perda não podia dar origem a um pedido de indemnização por morte ilícita. Perante esta decisão, os queixosos subiram de patamar, levando então a questão ao Supremo Tribunal do Alabama.

Foi do entendimento que uma criança por nascer é um ser humano geneticamente único, cuja vida começa na fertilização e termina na morte, concordando, ainda, que um nascituro se qualifica como «vida humana», «ser humano» ou «pessoa».  Acrescentou, ainda, que isso se aplica em todas as fases do desenvolvimento do feto, independentemente da sua viabilidade.

Asseverou, igualmente, que o seu entendimento não era estranho à Constituição do Alabama, a qual, no seu preâmbulo, «invoca o favor e a orientação de Deus Todo-Poderoso», e que declara que «todos os homens ... são dotados [de vida] pelo seu Criador».

A política pública daquele Estado é a de que a vida humana por nascer é sagrada, sendo «todo o ser humano, desde o momento da conceção, feito à imagem de Deus, criado por Deus, criado por Ele para refletir a Sua semelhança», reforçando ademais esta visão com uma citação do profeta Jeremias: «Antes de te formar no ventre, conheci-te, antes de nasceres santifiquei-te». 

Assim, com esta decisão, os embriões vão passar a ser enquadrados na definição de menores, porque a vida inicia-se com a conceção, mesmo que seja fora do útero, e, caso se atente contra ela, os seus autores sujeitam-se a processos de negligência e de homicídio.

Esta sentença põe desse modo termo às terapêuticas de reprodução a casais com problemas de fertilidade que desejem ter filhos, seja por inseminação artificial, seja por fecundação in vitro. 

Para já, virá o recurso para o Supremo Tribunal Federal, a última instância judicial dos EUA, à qual caberá interpretar e decidir, em recurso de apelação, as sentenças provenientes dos supremos tribunais estaduais por violação da Constituição daquele país ou das respetivas leis federais.

Seja qual for decisão, o certo é que o Alabama fechou uma janela à medicina reprodutiva. Veremos agora se Washington não lhe fecha definitivamente as portas."

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