Num relatório hoje apresentado pelo Grupo de Peritos do Conselho da Europa sobre Ação contra o Tráfico de Seres Humanos (GRETA), o órgão refere a falta de preparação das autoridades nacionais para lidar com este tipo de casos e a dificuldade das vítimas no acesso à Justiça como principais razões para o cenário atual.
"A confiança excessiva nos testemunhos das vítimas e o seu rápido regresso aos países de origem tem impacto na capacidade das autoridades de processar e condenar os traficantes", aponta o grupo de peritos.
Segundo salienta, é recorrente que casos de tráfico de seres humanos sejam requalificados como outro tipo de crimes que acarretam penas mais leves.
A insatisfatória resposta da Justiça ao tráfico de seres humanos deve-se, de acordo com o GRETA, à falta de formação e especialização dos procuradores e juízes, aos recursos limitados existentes e à rotatividade nas polícias especializadas.
O grupo sublinhou ainda que a proteção das vítimas de tráfico também enfrenta vários problemas, como "confrontos diretos entre vítimas e arguidos" nas audiências e falta de salas próprias para entrevistar crianças.
O documento, elaborado pelo órgão independente que monitoriza a forma como os países implementam a Convenção do Conselho da Europa sobre Ação contra o Tráfico de Seres Humanos, sublinha também que as vítimas de tráfico humano têm muita dificuldade em ter acesso à Justiça.
"As vítimas de tráfico humano nem sempre compreendem a sua situação e vários Estados não lhes fornecem acesso a intérpretes qualificados e independentes", acusa o grupo de peritos.
Por outro lado, defende, ter acesso a assistência jurídica gratuita é essencial para que as vítimas peçam justiça, mas esse acesso "não está disponível para todos", como é o caso dos migrantes que chegam à Europa sem documentos.
Além disso, "faltam advogados treinados e especializados para representar vítimas de tráfico humano", acrescentam os peritos no relatório relativo a 2023.
"É importante ter acesso a um advogado assim que existam motivos razoáveis para acreditar que uma pessoa é vítima de tráfico, antes mesmo de a pessoa fazer uma declaração oficial ou decidir se coopera com as autoridades", afirmou a presidente do GRETA, Helga Gayer, no âmbito da apresentação do relatório.
Para esta responsável, é também crucial que haja ajuda jurídica gratuita para permitir que as vítimas instaurem ações civis de indemnização.
"A obtenção de uma indemnização por parte dos traficantes no contexto de processos penais ou civis é um desafio" porque "os bens dos perpetradores não foram identificados e congelados numa fase inicial", alertam os peritos.
Por outro lado, os regimes de indemnização estatal também raramente são aplicados, precisamente pela falta de apoio judiciário gratuito que permita às vítimas reclamá-la.
Embora o grupo tenha observado no ano passado que vários Estados adotaram alterações legislativas para permitir a punição dos traficantes, avisa que há muitas lacunas na identificação das vítimas de tráfico.
O GRETA salienta ainda que, em muitos países, as vítimas de tráfico enfrentam barreiras no acesso efetivo ao mercado de trabalho, o que "as torna vulneráveis a novas explorações".
Os desafios estão relacionados, por exemplo, com o estatuto de residência das vítimas ou com a falta de uma conta bancária onde possam ser pagos os salários.
O relatório hoje apresentado contém uma secção específica sobre a prevenção e deteção de casos de tráfico de seres humanos entre pessoas deslocadas pela guerra da Rússia contra a Ucrânia.
De acordo com o grupo de peritos, o número de casos confirmados de tráfico humano entre refugiados ucranianos desde o início da guerra continua baixo, o que "pode ser um sinal do sucesso das primeiras medidas preventivas para proteger os refugiados ucranianos", avança.
No entanto, o GRETA admite que o cenário pode ter como explicação o facto de as vítimas estarem relutantes em apresentar queixa, uma vez que, muitas vezes, dependem dos seus traficantes para trabalhar ou viver.
O grupo anuncia, por isso, estar a preparar uma visita à Ucrânia durante este ano "para avaliar diretamente no terreno as consequências da guerra na luta contra o tráfico de seres humanos, incluindo a questão das transferências forçadas e deportações de crianças da Ucrânia".
O relatório hoje apresentado teve como base a terceira ronda de avaliação da Convenção do Conselho da Europa sobre Ação contra o Tráfico de Seres Humanos, que vincula os 46 Estados-membros do Conselho da Europa e também alguns não-membros, como a Bielorrússia e Israel.
O documento deste ano inclui 11 novos relatórios de avaliação relativos ao Azerbaijão, Estónia, Grécia, Islândia, Países Baixos, Macedónia do Norte, Polónia, Sérvia, Eslovénia, Espanha e Suécia.
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