Em comunicado, a HRW considera que a aprovação no parlamento da Ucrânia, em 21 de agosto, da lei que prevê a ratificação do Estatuto de Roma, o tratado fundador do TPI, constitui "um marco no avanço da justiça global", que surge "após anos de campanha por parte de grupos nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos".
No entanto, alerta para a invocação do artigo 124.º do tratado, "que permite aos governos limitar a jurisdição do tribunal sobre crimes de guerra durante sete anos após a ratificação", o que poderá afetar o atual conflito com a Rússia, iniciado com a invasão das tropas de Moscovo em 24 de fevereiro de 2022.
Para a HRW, o Governo ucraniano deve garantir que a adesão avança, ao mesmo tempo que elimina esta limitação na lei, "que corre o risco de proteger os criminosos de guerra" e que, no caso da aprovação em Kiev, diz respeito a crimes cometidos alegadamente por cidadãos ucranianos em território nacional.
"O apoio do Presidente [ucraniano, Volodymyr] Zelensky à vontade do parlamento de se tornar membro de pleno direito do TPI é um passo positivo na construção de um sistema global de responsabilização pelos piores crimes", afirmou Liz Evenson, diretora de justiça internacional da organização com sede em Nova Iorque, citada no comunicado.
Mas as limitações, além de correrem o risco de proteger criminosos da alçada da justiça, "ficam aquém do que se deveria esperar de um compromisso total com a adesão ao TPI", considerou.
A lei de ratificação, segundo a HRW, só entrará em vigor após mais medidas relacionadas com a implementação do Estatuto de Roma na legislação nacional da Ucrânia, a aprovar pelo parlamento por proposta de Zelensky, e surge dez anos depois de Kiev ter aceite a jurisdição do tribunal, numa base 'ad hoc', através de duas declarações.
"A aceitação anterior da jurisdição por parte da Ucrânia é a base para as investigações em curso do tribunal, que até agora produziram mandados de detenção contra seis indivíduos, incluindo o Presidente russo, Vladimir Putin, sob acusações de crimes de guerra e crimes contra a humanidade", assinala o comunicado, referindo-se ao processo que pende sob o líder do Kremlin de deportação de menores ucranianos.
A confirmar-se a adesão, a Ucrânia será o 125.º país-membro do TPI, após a ratificação da Arménia em 2023, de acordo com a HRW, mas apenas dois (França e Colômbia) recorreram àquele artigo, sendo que, em ambos os casos, a restrição foi entretanto retirada ou caducou.
"Em 2015, a Assembleia dos Estados Partes do TPI adotou uma alteração para suprimir o artigo 124.º do Estatuto de Roma, mas a alteração ainda não foi ratificada por um número suficiente de estados-membros para entrar em vigor", indica ainda a organização.
Nesse sentido, sublinha que "a tentativa da Ucrânia de proteger os seus próprios cidadãos -- preservando ao mesmo tempo a jurisdição do tribunal sobre os outros -- é, no mínimo, inconsistente com o espírito do Estatuto de Roma, que procura aplicar de forma equitativa" o estado de direito.
"Uma abordagem seletiva à responsabilização reforça as críticas crescentes à duplicidade de critérios dos estados em relação ao direito internacional e corre o risco de desacreditar o sistema a nível global", alerta a HRW, que pede ainda aos estados-membros do TPI que apelem a Kiev para eliminar o controverso artigo.
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