Em declarações à Lusa em Nova Iorque, após ter participado numa reunião do Conselho de Segurança da ONU sobre Gaza, Moreira da Silva afirmou que "não existe nenhuma razão para usar a questão da logística como pretexto" para a quantidade insuficiente de ajuda que entra na Faixa, frisando que o problema "sempre foi político" e que "nada pode substituir a vontade política de Israel de assegurar que todo o auxílio chega à população" palestiniana.
Desde o início da guerra, em outubro de 2023, Israel vem afirmando que tem feito tudo o que está ao seu alcance para fazer chegar ajuda a Gaza, responsabilizando terceiros pelos entraves.
Em várias ocasiões, Israel culpou a própria ONU pela falta de distribuição de ajuda humanitária, acusando as agências das Nações Unidas no terreno de "não se esforçarem para realmente fazerem o trabalho".
Já as Nações Unidas têm consistentemente acusado Israel de atrasar as entregas através de verificações de carga e restrições onerosas, assim como de falta de coordenação com as suas agências, além de sujeitar as equipas humanitárias a constantes ataques e bombardeamentos.
Jorge Moreira da Silva lidera o Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (UNOPS), que tem a seu cargo um mecanismo para facilitar, coordenar, monitorizar e verificar remessas de ajuda humanitária para Gaza, que foi determinado pelo secretário-geral da ONU, António Guterres.
Este mecanismo da ONU foi projetado para aumentar a velocidade e a eficiência da entrega de ajuda em Gaza e envolveu a orquestração de distribuições de ajuda em larga escala através de vários pontos de entrada terrestre.
Após vários meses em operação, Jorge Moreira da Silva assegura que existe agora toda uma operação logística "bem oleada, muito eficiente, com uma base de dados e com um sistema central para aprovação de toda a ajuda" que é dada ao enclave palestiniano, que se assemelha "a uma torre de controlo do aeroporto".
"Hoje, nós sabemos exatamente qual é a ajuda que deve entrar em Gaza e com que frequência, atendendo à prioridade que deve ser dada face às necessidades", explicou.
O subsecretário-geral deu como exemplo o corredor da Jordânia, onde antes existiam quatro pontos de inspeção, e agora apenas um.
"Existiam também quatro momentos de troca de carga de camiões e, neste momento, existe só um. Portanto, demonstramos ao Conselho de Segurança da ONU que o mecanismo está totalmente operacional. Hoje temos um conjunto de constrangimentos que já não podem ser assacados à parte logística", frisou.
"A questão não é logística, é política. Durante algum tempo, a desculpa era que não havia ajuda humanitária suficiente para entrar em Gaza e nós dissemos sempre que isso não era verdade, porque os camiões estavam lá e havia generosidade da comunidade internacional. Depois, a desculpa era de que a situação no exterior de Gaza era burocrática, com ineficiências", recordou o líder da UNOPS.
Moreira da Silva reforçou à Lusa que está agora demonstrado "que o problema está, como a ONU sempre disse, dentro de Gaza", na falta de condições para operar no interior do enclave, especialmente num momento em que a "situação é verdadeiramente apocalíptica, uma catástrofe sem precedentes", mas também na falta de vontade política.
A coordenadora humanitária e de reconstrução de Gaza, Sigrid Kaag - recém-chegada do enclave palestiniano - apresentou na segunda-feira, ao lado de Jorge Moreira da Silva, detalhes sobre a situação em Gaza, frisando que além dos cerca de 41 mil palestinianos mortos, mais de 93 mil ficaram feridos.
Dados recentes da Organização Mundial de Saúde estimam que mais de 22 mil pessoas sofreram ferimentos incapacitantes, incluindo amputações.
Além disso, "pelo menos 625 mil crianças continuam fora da escola --- crianças cujos futuros são marcados por traumas, perdas e privações", lamentou Sigrid Kaag.
Outro dos números que marcam esta guerra é o de trabalhadores humanitários mortos no conflito. Só da Agência das Nações Unidas para Refugiados Palestinianos (UNRWA) em Gaza, pelo menos 220 funcionários perderam a vida em ataques israelitas desde o início da guerra.
"Estes múltiplos incidentes que têm afetado funcionários humanitários e da ONU não são acidentes, são incidentes, porque claramente o pessoal tem sido impedido de trabalhar em segurança", avaliou Moreira da Silva, recordando que, recentemente, também um camião da UNOPS que transportava combustível foi alvo de tiros.
"São incidentes graves que impedem o funcionamento normal das operações humanitárias", reforçou.
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