Tunísia. Vitória nas presidenciais é um dado adquirido para Kais Saied

Cerca de dez milhões de tunisinos estão inscritos para votar domingo numa eleição que, segundo os especialistas, é dado adquirido a favor do Presidente cessante, Kais Saied, acusado de excessos autoritários pelos seus opositores e pela sociedade civil.

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Lusa
04/10/2024 13:10 ‧ 04/10/2024 por Lusa

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Eleições

Na campanha eleitoral, iniciada oficialmente a 14 de setembro, não houve comícios eleitorais, debates ou cartazes nas ruas, apenas fotografias em edifícios públicos, a maioria delas com a cara de Saied, sem que tenha sido visível a presença dos dois outros candidatos "aprovados" pela comissão eleitoral, Zouheir Maghzaoui, de 59 anos, e Ayachi Zammel, de 47.

 

Nada que se compare ao entusiasmo desencadeado com Saied, constitucionalista com reputação de probidade, que, há cinco anos, se tinha tornado conhecido através das da televisão e que foi eleito por cerca de 73% (com uma participação de cerca de 58%) com a promessa de restabelecer a ordem após 10 anos de declínio socioeconómico e instabilidade política.

Em 25 de julho de 2021, Saied gozava ainda de grande popularidade quando assumiu plenos poderes, demitindo o seu governo e suspendendo o parlamento, antes de reformar a Constituição em 2022, introduzindo um sistema ultra presidencialista.

Nos últimos anos, a oposição e as organizações não-governamentais (ONG) tunisinas e estrangeiras têm denunciado a regressão das liberdades, o controlo do poder judicial e a detenção dos principais opositores, incluindo o líder do movimento islamo-conservador Ennahdha, Rached Ghannouchi, e, no outro extremo do espetro, Abir Moussi, líder do Partido Destourian Free (PDL), nostálgico dos autocratas Ben Ali e Bourguiba.

O governo é também acusado de amordaçar a imprensa, através de um decreto controverso sobre as "fake news", e de asfixiar a sociedade civil, prendendo sindicalistas, ativistas e comentadores políticos.

Para a votação de domingo, apenas três dos 17 candidatos foram aprovados no final de um processo eleitoral criticado pelo número de assinaturas difíceis de obter e pela exclusão, decidida pela Alta Autoridade Eleitoral Independente (ISIE) tunisina, dos concorrentes mais sérios de Saied.

"Desde 25 de julho de 2021, o parêntesis da democratização começou a fechar-se", mas 'foi dado mais um passo com a tentativa de impedir qualquer possibilidade de alternância', disse à AFP o especialista político tunisino Hatem Nafti.

O politólogo francês Pierre Vermeren, especialista na região do Magrebe, concordou que "tudo foi feito para garantir que não haverá segunda volta".

Saied, de 66 anos, vai enfrentar Zouheir Maghzaoui, um defensor do pan-arabismo que tem "uma verdadeira base eleitoral", mas que "continua associado ao golpe de Estado" do verão de 2021, que apoiou, salienta Nafti, autor do ensaio "Notre ami Kais Saïed", publicado no final de setembro.

Para Vermeren, "permitir a candidatura de uma figura secundária (como Maghzaoui), com as mesmas convicções ideológicas que o Presidente, é uma forma de neutralizar o seu potencial de oposição".

O terceiro candidato, Ayachi Zammel, um industrial agroalimentar e político liberal, foi preso no dia em que a sua candidatura foi confirmada, a 02 de setembro, por falsificação de assinaturas e já foi condenado a mais de 14 anos de prisão em vários processos expressos.

Isso não o impede de ser candidato: houve um precedente em 2019 com Nabil Karoui, que chegou à segunda volta, mas ele era "o chefe de um canal de televisão com grande audiência e conhecido do grande público", recorda Nafti.

Os grupos de esquerda e os próximos do Ennahdha, de quem se espera um apelo ao boicote eleitoral (de resto, a taxa de participação nas últimas legislativas atingiu apenas 11,3% nas legislativas deste ano, pelo que se deve tornar desnecessária tal medida) apelaram ao voto em Zammel, embora se saiba que não será capaz de ir além destes círculos elitistas.

Para Vermeren, "embora possa representar um ponto de convergência para os opositores, o seu estatuto de prisioneiro condenado só pode encorajar os eleitores a desanimarem e a absterem-se".

É provável que a afluência às urnas seja baixa, dado o crescente descontentamento com o ato de votar. A participação, que caiu para 30,5% durante o referendo sobre a Constituição em 2022, desceu para 11,3% nas legislativas no início de 2024.

Os 10 milhões de eleitores tunisinos concentram-se sobretudo no elevado custo de vida, com uma alta inflação (cerca de 7%), um crescimento baixo (cerca de 1%) e uma taxa de desemprego elevada (16%), em particular entre os jovens -- sete em cada 10 querem deixar o país legal ou ilegalmente, segundo dados do Barómetro Árabe, de agosto de 2024.

A questão migratória, aliás, está "no centro das preocupações dos europeus", o que explica, segundo Nafti, a passividade de Bruxelas face às crescentes violações dos direitos fundamentais, uma vez que, para Bruxelas, "Kais Saied é um excelente guarda de fronteiras". 

Para Vermeren, os ocidentais estão também "divididos em relação às tragédias na Ucrânia, por um lado, no conflito Israel-Palestina e agora no Líbano, por outro".

Leia Também: Presidenciais de domingo na Tunísia são de alto risco

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