"Um ano depois" do início da guerra de Israel na Faixa de Gaza, a 07 de outubro de 2023, contra o movimento islamita palestiniano Hamas, após um ataque daquele grupo a território israelita, resumiu o responsável da agência da ONU: "É como se ainda andássemos a correr para assegurar o fornecimento do mínimo".
"É uma situação de emergência permanente: nada pode ser tomado por certo, todos os dias é uma luta para garantir que conseguimos prestar assistência", declarou, em entrevista à agência de notícias francesa AFP.
Na Faixa de Gaza, indicou Renard, "é como se tivéssemos recuado um ano, em particular com os problemas nos postos de passagem fronteiriços [encerrados entre Israel e aquele enclave palestiniano].
"No norte de Gaza, estamos a pedir a reabertura dos postos de passagem, porque nenhum produto comercial está a chegar àquela zona, pelo que a população depende apenas da ajuda humanitária", explicou.
"Temos de trabalhar para que tudo seja enviado imediatamente para as zonas onde se encontram as pessoas que dela necessitam, porque, caso contrário, existe um risco de pilhagem, ou a nossa ajuda pode acabar por ser alvo de bombas. É o que está agora a acontecer em alguns dos nossos armazéns: os nossos parceiros e as nossas mercadorias podem encontrar-se em zonas de combates", descreveu.
Questionado sobre como se estão a alimentar atualmente os habitantes da Faixa de Gaza, o diretor do PAM respondeu que "os habitantes do norte da Faixa de Gaza dependem exclusivamente da ajuda humanitária: praticamente não têm acesso a alimentos frescos, nomeadamente legumes e fruta", acrescentando que "pode ter havido algum acesso, mas muito pouco, como uma gota no oceano".
"O restante é constituído por produtos básicos fornecidos pela UNRWA (a Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos) e pelo PAM. É tudo o que existe no mercado em matéria de alimentos. O acesso à água também continua a ser um grande problema", sublinhou.
Além disso, acrescentou, "é preciso compreender que as pessoas estão a viver de latas de conserva há mais de 12 meses, o que, francamente, não é sustentável".
No sul, "as pessoas conseguiram ter algum acesso a fruta e legumes, mas não a muito mais", e "a maioria dos habitantes de Gaza não tem acesso a laticínios, carne ou peixe", relatou.
"E agora, como temos menos acesso à Faixa de Gaza, o preço de uma lata de conserva de comida duplicou, mesmo no sul. O que vai acontecer se não continuarmos a conseguir fazer entrar ajuda alimentar?", observou.
Quanto a abastecimento de pão, Renard indicou que o PAM dispõe de "uma rede de 18 padarias na Faixa de Gaza" e que, "em média, 14 estão em funcionamento".
"Todos os dias, há pão para 2,1 milhões de pessoas, graças a essas padarias que estão a funcionar. Para muitos habitantes de Gaza, é o único alimento fresco que têm", frisou.
"O que para nós é uma luta constante é que, para uma padaria trabalhar, é preciso combustível [para os geradores elétricos] e matérias-primas - e isso, todos os dias. Portanto, para nós, não é apenas uma padaria, é toda uma linha de produção que dá um apoio vital", explicou o responsável.
"Vou dar um exemplo concreto: Khan Yunes [no sul da Faixa de Gaza], onde a guerra destruiu quase tudo. Conseguimos reativar uma das padarias, graças à qual abastecemos 30.000 pessoas. Muitas delas mudaram-se dez vezes. Estão fartas, e o facto de terem pão fresco na zona onde se encontram faz uma grande diferença", concluiu.
Israel declarou a 07 de outubro do ano passado uma guerra na Faixa de Gaza para "erradicar" o Hamas, horas depois de este ter realizado em território israelita um ataque de proporções sem precedentes, matando 1.205 pessoas, na maioria civis, incluindo reféns em cativeiro.
Desde 2007 no poder em Gaza e classificado como organização terrorista pelos Estados Unidos, a União Europeia e Israel, o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) fez também nesse dia 251 reféns, 97 dos quais continuam em cativeiro, 34 deles entretanto declarados mortos pelo Exército israelita.
A guerra, que hoje entrou no 375.º dia e continua a ameaçar alastrar a toda a região do Médio Oriente, fez até agora na Faixa de Gaza pelo menos 42.344 mortos (quase 2% da população), entre os quais 17.000 menores, e de 99.013 feridos, além de mais de 10.000 desaparecidos, na maioria civis, presumivelmente soterrados nos escombros, de acordo com números atualizados das autoridades locais, que a ONU considera fidedignos.
Cerca de 90% dos 2,3 milhões de habitantes de Gaza viram-se obrigados a deslocar-se, muitos deles várias vezes, ao longo de mais de um ano de guerra, encontrando-se em acampamentos apinhados ao longo da costa, praticamente sem acesso a bens de primeira necessidade, como água potável e cuidados de saúde.
O sobrepovoado e pobre enclave palestiniano está mergulhado numa grave crise humanitária, com mais de 1,1 milhões de pessoas numa "situação de fome catastrófica" que está a fazer "o mais elevado número de vítimas alguma vez registado" pela ONU em estudos sobre segurança alimentar no mundo.
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