"O mais interessante é que, num tema tão sensível como este, que implica questões históricas e críticas, o discurso mudou por parte dos países ocidentais, especialmente na Europa e nos Estados Unidos da América", afirmou o diretor-adjunto da Unesco para a cultura, Ernesto Ottone, em entrevista à EFE.
Ottone, que esta semana marcou presença numa conferência sobre a restituição dos bens culturais africanos, organizada pela Unesco na capital da Etiópia, assinalou que nos últimos sete anos "se avançou muito" nesta matéria.
"O mais importante foi reconhecer que a restituição de um objeto ou artefacto valioso tem um significado que não é apenas comercial, mas sobretudo simbólico e, muitas vezes, religioso", sustentou.
Na conferência, que reuniu pela primeira vez os 54 países do continente, participaram vários especialistas para analisar novos modelos de cooperação.
"Devem-se procurar modelos adequados para cada caso, respeitando o acesso das comunidades ao seu próprio património", defendeu Ottone.
Em muitos casos, os acordos bilaterais tradicionais ainda estão em vigor, mas também ganharam força os acordos multilaterais, mediados pelo comité da Unesco.
O ex-ministro da Cultura chileno deu como exemplo os Países Baixos e Alemanha, países que promoveram debates com museus e instituições para desenvolver diferentes mecanismos de restituição de objetos do período colonial.
Durante a conferência abordou-se também a necessidade de reconhecer o valor simbólico e cultural dos objetos, que são também identitários das comunidades de origem.
Sobre esta questão, Ottone destacou que o debate não se deve limitar à restituição de bens, mas ter conta os lugares sagrados ou históricos a que pertenciam estes objetos.
"Se um objeto foi retirado de um lugar sagrado que, para uma comunidade africana tem um valor especial, então a sua restituição deve ser decidida não apenas pelos Estados", afirmou.
Ottone destacou ainda a importância de se garantir que as comunidades africanas têm acesso ao seu património cultural, que se tornou inacessível devido às anteriores políticas coloniais.
A restituição não implica apenas a devolução dos objetos, mas o reconhecimento do direito de as comunidades preservarem a sua própria história.
"Todas as comunidades devem ter acesso para usufruir dos seus bens culturais ou para reconhecerem a sua identidade e passado", sublinhou o diretor-adjunto da Unesco, acrescentando que a restituição precisa "de avançar" face à "necessidade intrínseca" de as comunidades terem acesso aquilo que faz delas uma comunidade.
Ottone disse ainda acreditar que, com a mudança de narrativa, os acordos entre países aumentem nos próximos anos.
Em setembro de 2024, o presidente cabo-verdiano defendeu na Assembleia-Geral das Nações Unidas a restituição de bens culturais a África e outras regiões do mundo para preservação da cultura e espiritualidade local.
"Para África, mas também para muitas outras regiões do mundo, é de vital importância a restituição de bens culturais, como artefactos, obras de arte e objetos sagrados, parte integrante da identidade cultural, história e tradições das comunidades de onde são originários", afirmou José Maria Neves durante a 79.ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque.
O chefe de Estado argumentou que a restituição "permite a preservação da sua integridade cultural e espiritual, à medida que são devolvidos aos seus ambientes originais", permitindo que as comunidades locais voltem a ligar-se ao seu património, fortalecendo "o orgulho cultural" e cuidando da sua identidade "para as gerações futuras".
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