A relação entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e Volodymyr Zelensky, arrefeceu na quarta-feira, com o republicano a descrever o seu homólogo ucraniano como um "ditador sem eleições" numa altura em que se aproxima da Rússia para negociar o fim da guerra.
As palavras do presidente norte-americano foram condenadas pelos países ocidentais, que fizeram questão de lembrar que Zelensky foi "democraticamente eleito", ao "contrário de Vladimir Putin".
A troca de acusações começou na quarta-feira, quando Trump considerou o presidente da Ucrânia um "ditador sem eleições", numa resposta à afirmação de Zelensky de que Trump estava a ser influenciado pela desinformação russa.
"Pense nisso, um comediante modestamente bem-sucedido, Volodymyr Zelensky, convenceu os Estados Unidos da América a gastar 350.000 milhões de dólares [cerca de 336.000 milhões de euros] para entrar numa guerra que não poderia ser vencida, que nunca teve de começar, mas uma guerra que ele, sem os EUA e 'Trump', nunca será capaz de resolver", disse o chefe de Estado norte-americano sobre o homólogo ucraniano, que era muito popular na televisão antes de concorrer ao cargo.
"Os Estados Unidos gastaram mais 200.000 milhões de dólares (cerca de 192.000 milhões de euros) do que a Europa, cujo dinheiro é garantido, enquanto os Estados Unidos não recebem nada em troca", acrescentou Trump, atirando que Zelensky é "um ditador sem eleições".
Na base da acusação está o facto de a Ucrânia ter adiado as eleições previstas para abril de 2024 devido à invasão russa, iniciada a 24 de fevereiro de 2022.
O chanceler alemão, Olaf Scholz, foi dos primeiros a reagir à acusação de Trump, considerando ser "errado e perigoso" que o presidente norte-americano negue a "legitimidade democrática" a Zelensky.
É "simplesmente errado e perigoso negar ao presidente Zelensky a sua legitimidade democrática", reagiu Olaf Scholz à revista Spiegel, argumentando que o "facto de não se poderem realizar eleições regulares no meio de uma guerra está conforme as disposições da Constituição ucraniana e das leis eleitorais".
Por sua vez, a ministra alemã dos Negócios Estrangeiros, Annalena Baerbock, afirmou que, se Trump "não se limitasse a 'tweetar', mas a ver o mundo real, saberia quem na Europa tem, infelizmente, de viver em condições ditatoriais: o povo da Rússia, o povo da Bielorrússia".
Durante uma conversa com Zelensky, o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, defendeu que o ucraniano é "um líder democraticamente eleito" e disse ser "perfeitamente razoável suspender as eleições em tempos de guerra, como o Reino Unido fez na Segunda Guerra Mundial".
Também o gabinete do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, frisou que "o presidente Volodymyr Zelensky tomou posse após eleições devidamente realizadas".
Já esta quinta-feira, o presidente do Conselho Europeu, António Costa, deixou uma indireta ao presidente norte-americano, ao anunciar uma visita a Kyiv para "reafirmar o apoio ao heroico povo ucraniano e ao presidente democraticamente eleito".
"Na segunda-feira, 24 de fevereiro, assinala-se o terceiro aniversário da invasão russa em grande escala da Ucrânia. Decidi estar em Kyiv para essa ocasião, com Ursula Von der Leyen, para reafirmar o nosso apoio ao heroico povo ucraniano e ao presidente democraticamente eleito, Volodymyr Zelensky", escreveu.
Monday, February 24, marks the third anniversary of the Russian full-scale invasion of Ukraine. I have decided to be in Kyiv for that occasion, with @vonderleyen, to reaffirm our support to the heroic Ukrainian people and to the democratically elected president @ZelenskyyUA.
— António Costa (@eucopresident) February 20, 2025
À semelhança de António Costa, o presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, também anunciou que estará em Kyiv, na segunda-feira, para "reafirmar o apoio de Espanha à democracia ucraniana e ao presidente Zelensky".
El lunes estaré en Kyiv para reafirmar el apoyo de España a la democracia ucraniana y al presidente @ZelenskyyUa.#SlavaUkraini
— Pedro Sánchez (@sanchezcastejon) February 20, 2025
Também o presidente francês, Emmanuel Macron, saiu em defesa do seu homólogo ucraniano, defendendo, numa conversa com internautas nas redes sociais, que Zelensky "é um presidente eleito por um sistema livre", o que "não é o caso de Vladimir Putin, que há muito mata os seus opositores e manipula as suas eleições".
Fora da Europa, o presidente do Brasil, Lula da Silva, acusou Trump de querer "armar-se em imperador do mundo" e pediu-lhe para "respeitar a soberania" dos países.
"A democracia, conquistada após a Segunda Guerra Mundial, é um parâmetro e um exemplo da melhor governação que tivemos nos últimos 70 anos, mas através da sua forma de agir, Trump está a tentar armar-se em imperador do mundo", disse Lula numa entrevista a uma rádio local, a Rádio Tupi.
Apesar de não mencionar diretamente Zelensky ou o conflito na Ucrânia, Lula reiterou que é "importante respeitar a soberania de cada país, porque isso fortalece a democracia".
Recorde-se que a Rússia invadiu a Ucrânia a 24 de fevereiro de 2022, com o argumento de proteger as minorias separatistas pró-russas no leste e "desnazificar" o país vizinho, independente desde 1991 - após o desmoronamento da União Soviética - e que tem vindo a afastar-se da esfera de influência de Moscovo e a aproximar-se da Europa e do Ocidente.
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