Numa reunião do Conselho de Segurança para abordar a situação na RDCongo, a representante da ONU e líder da missão de estabilização das Nações Unidas na RDCongo (Monusco), Bintou Keita, descreveu a "situação alarmante" que os congoleses atravessam, assim como "desafios consideráveis" à implementação do seu mandato.
Keita frisou que apesar dos esforços regionais e internacionais, o cessar-fogo ainda não se materializou, e o grupo rebelde Movimento 23 de Março (M23), apoiado pelo Ruanda, avançou ainda mais nas regiões do Kivu do Norte e do Sul e continuou a instalar administrações paralelas em Bukavu, no Kivu do Sul.
A representante da ONU afirmou ainda que, no Kivu do Norte, os rebeldes nomeiam administradores financeiros e um chefe de mineração, "reforçando a ligação entre conflitos armados e a exploração ilegal de recursos naturais do país".
A líder da Monusco aproveitou para agradecer a João Lourenço pelos "seus incansáveis esforços de mediação visando restaurar o diálogo entre a RDCongo e o Ruanda" e encorajou a "rápida nomeação de um mediador da União Africana, para "coordenar e unificar as iniciativas de mediação com base nas fundações dos processos de Luanda e Nairóbi".
João Lourenço anunciou na segunda-feira o abandono da mediação do conflito entre a RDCongo e o Ruanda, depois de fracassadas as negociações diretas com o M23 por fatores "externos" ao processo africano.
A Presidência angolana disse através de um comunicado que Angola se empenhou "com toda a seriedade, energia e recursos" desde que a União Africana incumbiu o chefe de Estado angolano da responsabilidade de mediar o conflito, apontando os progressos alcançados após sucessivas rondas de conversações.
O M23 decidiu cancelar a participação nas negociações, acusando instituições internacionais de sabotarem o diálogo com a RDCongo, após a União Europeia impor sanções a líderes do movimento e a uma refinaria em Kigali.
Focando-se na situação no terreno, a representante da ONU frisou que as mulheres e crianças continuam a ser as principais vítimas em Kivu do Norte e Ituri, com graves violações a afetarem 403 crianças, incluindo 90 meninas, entre 01 de dezembro de 2024 e 28 de fevereiro de 2025.
Essas violações incluem sequestros, assassínios, mutilações, recrutamento forçado, ataques a escolas e violência sexual.
"O Escritório de Direitos Humanos da ONU documentou centenas de casos de violência sexual relacionada com o conflito em Kivu do Norte, Kivu do Sul e Ituri. A impunidade incentiva a reincidência, por isso é fundamental documentar sistematicamente os casos para garantir que todas as vítimas obtenham justiça e reparações", afirmou Bintou Keita.
Também a situação humanitária nas províncias orientais "continua crítica, com um aumento dramático nas necessidades", e o encerramento prolongado dos aeroportos de Goma e Kavumu "representa um grande obstáculo à entrega de ajuda", frisou a líder da Monusco.
Os confrontos com o M23 forçaram centenas de milhares de civis a fugir e as comunidades deslocadas são frequentemente pressionadas a retornar aos seus locais de origem sem condições de segurança adequadas, denunciou a ONU.
"Desde janeiro, mais de 100.000 pessoas foram forçadas a fugir somente no território Djugu", disse.
"Essa situação cada vez pior ocorre em um contexto global de crise de financiamento. O Plano de Resposta Humanitária de 2025 está atualmente financiado em apenas 8,2%, forçando os agentes humanitários a fazerem escolhas extremas", lamentou a representante das Nações Unidas.
A atividade armada do M23 - um grupo constituído principalmente por tutsis vítimas do genocídio ruandês de 1994 - recomeçou em novembro de 2021 com ataques contra o exército governamental no Kivu Norte, tendo avançado em várias frentes e ameaçando escalar até uma guerra regional.
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