Gronelândia? "Pouca habilidade diplomática na preparação da visita"

A especialista em relações internacionais Sandra Balão afirmou em entrevista à Lusa que o plano inicial da visita duma delegação dos EUA e da esposa do vice-presidente à Gronelândia teria sido "entendido de forma oposta à intenção original".

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© Dado Ruvic/Reuters

Lusa
28/03/2025 12:34 ‧ há 3 dias por Lusa

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"Se se mantivesse o programa original da visita, seria entendida exatamente da forma oposta àquela que se pretendia. E daí esta restrição à base militar, procurando, por um lado, que os Estados Unidos não [percam] completamente a face e terem que admitir que tinham feito exatamente o oposto daquilo que lhes interessava fazer, e ao mesmo tempo, contribuir para a redução da tensão e da crispação por parte dos destinatários da visita - quer das autoridades gronelandesas, quer também do povo gronelandês", afirmou a professora do Instituto de Ciência Sociais e Políticas (ISCSP).

 

O vice-presidente dos Estados Unidos (EUA), JD Vance, desloca-se hoje à base norte-americana de Pituffik, situada no noroeste da ilha, a 1.500 a norte da capital, Nuuk, num contexto marcado por várias declarações do Presidente norte-americano, Donald Trump, sobre a anexação da Gronelândia, que justifica por motivos de "segurança nacional".

JD Vance deveria ser acompanhado pela sua esposa, Usha Vance, que tinha previsto deslocar-se a Nuuk e assistir a uma popular corrida de trenós puxados por cães, o que foi entretanto cancelado, suscitando reações positivas por parte da Dinamarca.

"Julgo que terá havido pouca habilidade diplomática na preparação da visita. Aprioristicamente, foram cometidos alguns erros do ponto de vista da preparação da visita, mas julgo que houve uma tentativa de reduzir o impacto desse menor cuidado na preparação da visita, restringindo-a à base dos Estados Unidos em território gronelandês", adiantou Sandra Balão.

A investigadora sublinhou que "a ideia que terá estado subjacente à visita seria a da diplomacia como uma forma de encetar diálogo e de estabelecer contacto" e de eventualmente definir" linhas de ação que pudessem ser de interesse mútuo", contribuindo, ao mesmo tempo, "para reduzir o tom duro da narrativa e do discurso" de Donald Trump.

Sandra Balão recordou ainda que as declarações expansionistas de Trump relativamente à Gronelândia, antecedidas pela vontade dos Estados Unidos em adquirir o território autónomo, surgem "na sequência de uma tomada de posição da República Popular da China, que procurou adquirir território na Gronelândia, que procurou adquirir minas e que procurou, quando não foi bem-sucedida, adquirir licenças de exploração com condições especiais dessas mesmas minas".

A co-chair da organização científica e tecnológica da NATO adiantou igualmente que a tomada de posição discursiva do Presidente Trump, "tem um fundamento, que se prende com interesses estratégicos", primeiramente dos Estados Unidos da América, mas que "vai mais longe, com interesses estratégicos da própria comunidade transatlântica", especialmente uma vez que esta tomada de posição "parece fundamentalmente ter como principal objetivo e como principal destinatário precisamente a China".

Isto porque, caso o gigante asiático venha exercer controlo sob esta região autónoma, "todo o sistema de informações e o sistema de navegação ficariam sob controlo da China, que, a partir daí teria a sua vida muito mais facilitada também em termos de espionagem, quer comercial, política ou militar".

"Os Estados Unidos estão na disposição de afirmar e fazer os seus interesses e valer os seus interesses na região do Ártico, designadamente não permitindo que um Estado assuma uma posição de força numa região que é estrategicamente fundamental para a segurança e soberania dos Estados Unidos da América", reiterou a especialista.

Ao mesmo tempo, tanto a visita do vice-presidente à região autónoma, como as declarações do Presidente dos Estados Unidos relativamente à mesma, sinalizam, segundo a professora, "uma espécie de cartão amarelo à Federação Russa", no sentido dos Estados Unidos "demonstrarem que estão atentos e que, ao contrário daquilo que se passou até meados da Administração Biden, em que parecia haver um total desinvestimento, um total desinteresse e uma total falta de atenção relativamente à região do Ártico, os Estados Unidos acordaram e estão despertos".

Sobre a anexação da Gronelândia, a especialista apontou que, apesar do "discurso absolutamente brutal" do Presidente norte-americano, não existem "razões objetivas" para expectar esse cenário, especialmente tendo em conta o passado de Donald Trump enquanto empresário e o histórico do seu primeiro mandato (2017-2021).

"Com o primeiro mandato do Presidente Trump acompanhámos de perto uma narrativa e um discurso absolutamente brutais e que antecipariam posições de extraordinário radicalismo e eventual derrapagem para manifestações de força ou outras, que efetivamente poderiam pôr em causa a via diplomática. Mas na realidade, aquilo a que nós assistimos foi sempre um privilegiar da via económica", afirmou Sandra Balão.

O modo de como os EUA tentarão exercer a sua influência sobre a Gronelândia, defendeu a especialista, será através da "via comercial, económica e de investimento no desenvolvimento da região", optando assim pela "via 'smart', e não pela via 'hard'" - um caminho através do qual os EUA a "não só cobrirão o financiamento que a China eventualmente estivesse disposta a fazer, mas provavelmente a oferecer mais".

Leia Também: Vance na Gronelândia, mas fora da capital: Do "amigável" ao "plano sério"

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