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Recusar refugiados na Europa seria imoral

Fechar as portas aos refugiados por medo do terrorismo na Europa seria "imoral", porque são os europeus o maior perigo para o continente e os refugiados nem uma "arma de brinquedo" sabem manejar.

Recusar refugiados na Europa seria imoral
Notícias ao Minuto

11:15 - 29/11/15 por Lusa

Mundo Jesuítas

Opinião de Tony Calleja, 65 anos, diretor regional adjunto do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) que dirige de Beirute uma rede de quase 800 pessoas, espalhadas pelo Líbano, Síria, Iraque, Jordânia ou Turquia.

Maltês já dirigiu, a partir do Burundi, o JRS dos Grandes Lagos (que integra outros países como o Congo, o Ruanda ou o Sudão) e agora no Líbano diz à Lusa: "Essas pessoas de terroristas têm tanto como eu de chinês".

Direto e bem-humorado, Calleja fica mais sério perante a pergunta sobre se o atentado terrorista em França de dia 13 terá implicações no acolhimento a refugiados sírios (a maior parte dos que buscam a Europa são sírios e há na Turquia afegãos a comprar passaportes sírios, diz fonte à Lusa).

"Há já um ano que a França, a Inglaterra, a Alemanha e outros países estavam preocupados com a quantidade de muçulmanos, nascidos e criados nos seus países, que se iam juntar ao ISIS [grupo terrorista Estado Islâmico]. Dava a impressão que não lhe desagradava, parecia que o que queriam era desestabilizar os governos da Síria e do Iraque".

Mas agora, acrescenta, esses "jihadistas" estão a voltar à Europa e têm uma agenda, são radicais "graças ao fracasso da política de assimilação de França e do multiculturalismo de Inglaterra", estão treinados, têm meios e experiência de combate e de matar.

"É muito difícil defender-nos de pessoas que querem matar e morrer", afirma o responsável. E contrapõe a esses europeus os 800 mil refugiados, famílias que desejam "sair do inferno e procurar uma vida", e que mesmo assim vão "ser usadas politicamente" para "endurecer o coração das pessoas".

Um "endurecer" que também se sente no Líbano, um país de pouco mais de quatro milhões de pessoas que recebeu 1,2 milhões de sírios (registados). "Há um pouco de tensão mas, apesar de tudo, o Líbano portou-se muito bem", diz. E Michael Zammit, diretor regional do JRS, numa curta declaração, afirma que, mesmo assim, os refugiados estão melhor no Líbano do que se estivessem na Síria.

Nos dois países, o JRS - uma organização internacional da Igreja Católica que, no Líbano, tem o apoio da JRS Portugal e da Plataforma de Apoio aos Refugiados através do seu projeto "Linha da Frente" - ajuda milhares de pessoas, 54.000 famílias na Síria e cerca de 4.500 no Líbano, nas contas de Tony Calleja.

Começou na região em 2010, com alguma ajuda a refugiados iraquianos, e foi "apanhado" pela crise síria no ano seguinte. "Não estávamos preparados", estamos há quatro anos "a fazer um trabalho de emergência", com distribuição de alimentos, apoio na saúde e proteção infantil, apoio no ensino e, mais recentemente, apoio psicológico.

A região, diz, consome um terço dos esforços humanos, físicos e financeiros do JRS, que tem 570 pessoas a trabalhar só na Síria. No Líbano, a todo esse trabalho de emergência juntam-se psiquiatras e psicólogos para apoiar sintomas de perturbação de stress pós-traumático.

Tony Calleja explica: "Estas pessoas vivem longe de casa, perderam tudo, têm más notícias da família e da sua terra, aqui só com sorte têm um trabalho, são explorados, as mulheres e as raparigas não tem coragem de sair, vivem às vezes três famílias num só apartamento, com uma única casa de banho". "Quase toda a gente tem algum grau de depressão".

São famílias apoiadas em Beirute, no vale do Beqaa, em Jbeil, no norte do país, representando milhares de pessoas e, ainda assim, "uma gota num oceano de dor e de problemas", composto por quatro milhões de sírios refugiados fora do país e outros seis milhões dentro da Síria.

Diz Calleja que são os adolescentes quem mais o preocupa, especialmente as mulheres, e vê como "uma questão de sobrevivência" que um rapaz de 12 anos esteja a trabalhar, a ganhar 80 dólares por mês.

Pelo que sabe, a maior parte dos refugiados que está fora quer regressar, embora outros estejam desesperados para chegar "a algum local seguro". "Eles creem que, se forem para a Europa, podem assentar, ter um futuro para os filhos, porque, neste momento, o futuro da Síria, se algum dia tiver paz, é muito incerto e vai ser duro e penoso".

Gavin Braschi, irlandês/italiano também a trabalhar para o JRS e conhecedor do conflito sírio, não tem ilusões. Diz que a guerra na Síria já é internacional, fora do controlo dos sírios, e lamenta que, em quatro anos, nada se tenha feito.

Garantindo que, "agora, [se] compram passaportes sírios na Turquia" e que "muitos afegãos o fazem", acrescenta: "Em nenhuma destas guerras modernas a solução é militar, a solução tem de ser política, é uma questão de vontade", diz, colocando em causa também o futuro do país, onde só ficam os mais velhos.

Ainda assim, afirma: os que estão a ir para a Europa perderam completamente a esperança, mas quem fica quatro anos nos países vizinhos é porque quer regressar à Síria.

Em Jebeil, no vale do Beqaa, em Beirute, lá onde vive gente há quatro anos, em casas sem portas nem janelas, em barracas, em tendas ou em garagens, lá, onde vive gente sem dinheiro e sem comida, não é da Europa que se fala, mas da esperança de um dia voltar para casa.

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