Religiões monoteístas criaram mundo fechado e quase anti-pensamento
O poeta sírio Adonis, considerado o maior poeta árabe vivo, defendeu na sexta-feira em Lisboa que as três religiões monoteístas foram responsáveis pela criação do "mundo fechado e quase anti-pensamento" em que hoje vivemos.
© Lusa
Mundo Poeta
Falando numa sessão realizada no Centro Cultural de Belém sobre a poesia e sua importância, o Islão político e a violência no mundo árabe, o poeta de 86 anos, residente em Paris desde 1985, declarou-se "pessimista a curto prazo" sobre a capacidade das sociedades para "repensar a sua visão do mundo, da história e da religião" e seguir outro caminho.
"É preciso repensar a nossa visão do mundo e da religião: nas religiões pré-monoteístas, não se matava em nome de Deus, como as religiões monoteístas fizeram -- não só o Islão, mas também o Cristianismo e o Judaísmo -- e continuam a fazer", frisou.
Ali Ahmad Said Esber - que adotou o pseudónimo literário de Adonis no início da adolescência, porque o comoveu a história daquele deus grego e achou que ajudaria à publicação dos seus escritos, por não pertencer à esfera de uma religião monoteísta e ter uma dimensão universal -, cedo se revoltou contra o Islão político, por entender que este matou a tradição mitológico-poética do mundo árabe e, logo, a capacidade dessas sociedades para a autorreflexão.
Organizador de uma abrangente antologia da poesia árabe, Adonis encontrou textos "impressionantes, de uma extraordinária modernidade" que não são conhecidos porque o Islão político se encarregou de asfixiar tudo o que pudesse ser um projeto intelectual ou uma tentativa de espiritualidade diferente da que havia imposto.
Para o Islão político, "as verdades transmitidas pelo profeta são as únicas, não há outras legítimas, e alguém que não seja convertido é diferente, é o outro e é sempre marginalizado", explicou.
"Não encontramos no mundo árabe um poeta crente como o francês Paul Claudel, todos os poetas árabes são antirreligiosos -- a mística foi uma revolução dentro do Islão, deu-lhe uma outra imagem radicalmente diferente da do Islão oficial, do poder e da violência", prosseguiu.
A poesia árabe foi, portanto, marcada por "uma grande modernidade que foi sempre camuflada pelo poder islâmico", referiu Adonis, precisando que "há poetas árabes que escreveram mil anos antes o que [o poeta francês Charles] Baudelaire repetiu, mas isto não é conhecido porque eles foram totalmente marginalizados".
"A história do poder ligada à visão religiosa asfixiou a criação literária", resumiu.
Embora assumindo-se como "arreligioso", Adonis esclareceu: "Mas não sou contra os crentes em qualquer religião; não podemos ser contra uma religião, as pessoas têm o direito de ter a sua fé e de aí encontrar o que quer que procurem".
"É preciso distinguir entre a instituição religiosa e os indivíduos, da mesma maneira que não podemos identificar um regime com um povo, ou um povo com um indivíduo", observou o poeta.
Em seguida, sublinhou que fala sobretudo da visão corânica do mundo, do Islão, porque nasceu numa cultura islâmica, muçulmana, mas que "profundamente pagão, o Islão mais não é que uma variação do monoteísmo".
"E não podemos compreender a política do mundo árabe sem entender a política europeia e a política norte-americana", vincou.
Afirmando que "em todos os regimes árabes, a maioria da população é contra o poder", Adonis argumentou que "esses regimes, assentes na privação da liberdade e no extermínio do outro, do diferente, persistem devido ao apoio dos Estados Unidos, que fornecem as armas que intimidam os povos e mantêm esse poder opressor".
"Como é que a Europa, território da Revolução Francesa, do Dom Quixote, é um mero satélite da política norte-americana?", interrogou-se, para logo explicar: "Os países árabes estão a ser destruídos e não se ouve a voz de nenhum intelectual europeu contra essa destruição sistemática".
"Os intelectuais europeus tornaram-se funcionários públicos -- é esse o problema", comentou, acrescentando que outro problema é que "já não há cultura árabe, porque não há universidades, centros literários, livrarias ou qualquer outro polo cultural" e outro ainda, este universal, é que "a poesia já não tem impacto na sociedade".
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