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Che Guevara: O guerrilheiro enquanto mito, 50 anos após a sua morte

Odiado e amado, dificilmente se lhe fica indiferente. 50 anos após ter sido executado, Che Guevara é mito para lá do homem. Esse mito está em debate no país onde morreu, a Bolívia, e onde por estes dias está a ser recordado. Mas o debate dificilmente se fica por um país, ou sequer um continente.

Che Guevara: O guerrilheiro enquanto mito, 50 anos após a sua morte
Notícias ao Minuto

07:45 - 09/10/17 por Pedro Filipe Pina

Mundo Efeméride

A 8 de outubro de 1967, Che Guevara estava na Bolívia. Tinha chegado ali quase um ano antes, com menos cabelo, sem barba, um pouco mais gordo e com uma identidade falsa. Juntou-se à guerrilha local e durante os meses seguintes combateu contra as forças militares da Bolívia, que contavam com o apoio norte-americano.

Naquele dia 8 de outubro de 1967, Gary Prado, capitão boliviano, liderou o grupo que o capturou. "Parecia tão pobre, tão cansado, tão sujo", recorda em entrevista ao The Guardian. Ferido e mais magro, Che Guevara acabou detido e terá perguntado a Prado o que lhe iria acontecer. Iria a tribunal, ter-lhe-á respondido.

No dia seguinte, porém, chegaram as ordens do governo de Barrientos: Che Gueevara seria executado. Um sargento que só muitas décadas depois descobriríamos quem era - Mario Terán Salazar – pegou na metralhadora e cumpriu as ordens, disparando duas vezes, matando Che Guevara. Foi há 50 anos. 

Memória e debate, 50 anos depois

Cumprem-se esta segunda-feira os 50 anos de uma morte que foi um mistério durante décadas. Na Bolívia, há encontro marcado, promovido pelo governo de Evo Morales, presidente do país e confesso admirador do guerrilheiro.

Notícias ao MinutoPresidente da Bolívia numa entrevista junto a um quadro de Che Guevara, em 2007© Reuters

O objetivo é recordar Che Guevara e foi pedida a presença de antigo membros das forças armadas. A notícia, no entanto, causou algum mal-estar entre os veteranos das forças armadas do país que, 50 anos antes, tinham combatido precisamente a guerrilha da qual Che Guevara fez parte.

Muito tempo após a sua morte, o médico argentino que se juntou à revolução cubana e se tornou um temido guerrilheiro continua a dividir opiniões que não se ficam apenas pela velha dicotomia Esquerda/Direita. Esta é também uma história de luta e morte, de sacrifício e impiedade. Uma história de violência, como são muitas das histórias que cravam o seu legado na História.

História e mito

A vida de Che Guevara já foi alvo de muitas biografias, algumas até com papel importante para ajudar a descobrir o que se passou na vida e morte de Che, como foi o caso da biografia de Jon Lee Anderson, lançada em 1997, sobre o guerrilheiro cujo corpo andou desaparecido durante décadas.

Carlos Puebla cantou-lhe a "bravura" num 'Hasta Siempre' ao "comandante". No cinema, Gael Garcia Bernal deu-lhe vida numa versão ainda jovem, de um Che Guevara pré-revolucionário, em 'Motorcycle Diaries'. Benicio del Toro deu-lhe outra projeção em 'Argentino' e 'Guerrilheiro', duas partes de um todo a cargo de Steven Soderbergh sobre a luta armada de Che,  que começou em viagem e reflexão sobre a injustiça e se propagou com a força de armas e palavras.

São muitos os retratos e as histórias sobre um homem que se tornou um dos ícones mais marcantes da década de 1960, e que assim se tornou possivelmente contra o que eram as suas próprias crenças e preocupações.

Adorado e admirado. Temido e odiado. Che Guevara foi figura complexa - foi o médico que salvou vidas até se tornar guerrilheiro pela revolução, capaz de matar por aquilo em que acreditava. Curiosamente, por divergentes que possam ser os olhares sobre o homem, é a mesma imagem que ocorre a todos e se imortalizou em t-shirts e cartazes e pinturas ao longo das décadas: o guerrilheiro com vestes militares, com barba e cabelo e um olhar tão compenetrado quanto fulminante.

Notícias ao Minuto© Reuters

Che Guevara foi da Argentina até Cuba, onde lutou ao lado de Fidel Castro, passou por outros países da América Latina, falou na Assembleia-Geral das Nações Unidas, lutou no Congo e acabaria por morrer na Bolívia. Em todo este tempo, nunca deixou de ver a sua ideia de revolução à escala da América Latina e até do mundo. Fê-lo num tempo em que Estados Unidos e União Soviética, nunca se enfrentando diretamente, não deixaram de se digladiar nos mais diversos países no tempo da Guerra Fria.

Com um mundo sempre em mutação, o seu ideal revolucionário não foi esquecido. A tal imagem do ícone, captada originalmente pela objetiva de Alberto Korda, é habitual em manifestações e contém em si uma ideia de rebelião, ainda que romantizada. Ainda que construída sobre um controverso glamour.

Curiosamente, a sua luta contra o capitalismo não deixa de ter o seu quê de irónico quando vemos o marketing que nasceu em torno da sua imagem, com marcas de todo o género a aproveitarem a sua figura em anúncios de produtos (e há carros e ténis e perfumes e muitos outros produtos que a dada altura o invocaram). 

Mas Che, enquanto ícone, é também este misto de mensagens por vezes contraditórias. 

"Ernesto era um humanista que acreditava na luta, não nesse fetiche comercial que se vê hoje em dia", realçava já este ano Juan Martin Guevara, irmão de Che, numa entrevista ao La Vanguardia.

Nos seus últimos dias de vida, tolhido por meses de combate e de sobrevivência na floresta e a sofrer de asma, com meio mundo a questionar-se sobre onde andaria, Che Guevara foi de mula a até à pequena aldeia de La Higuera. Denunciado e detido, acabaria por ser naquela aldeia, que viraria local turístico, que acabou por ser executado.

A mesma La Higuera, contava recentemente o The Guardian, esperava milhares de visitantes por estes dias. "Se o Che nunca tivesse vindo aqui, não teríamos empregos", recordava um habitante da aldeia a propósito da lotação das pensões que ali nasceram e se mantêm ativas pela memória de Che Guevara.

Ainda em vida, atraiu intelectuais, desafiou os Estados Unidos, fez as suas escolhas junto com Castro para lá do que a União Soviética preferia e intrigou uma boa parte do mundo, merecendo páginas dos mais diversos jornais, atingindo um estatuto raro, de quase lenda, pelo tempo em que o mundo esperou para saber da sua morte (divulgada com a força de uma fotografia do guerrilheiro morto).

Fez da pequena Cuba onde lutou a plataforma para levar a usa ideia de revolução comunista a muitas outras fronteiras. E partiu para terrenos que desconhecia à procura de conseguir levar as suas ideias até ao fim, com uma intransigência e severidade que fez também com sangue, seu e de muitos outros, que ao seu lado lutaram ou que a ele se opuseram.

Cinquenta anos após a sua morte, é fácil de perceber que o mito em torno de Che Guevara irá continuar, muito para lá da morte do homem. É que este ícone é tatuagem nos corpos de ícones de outros mundos, como Maradona ou Mike Tyson. E é também a imagem a abater por quem vê nas suas ações apenas morte e fracasso. Faz parte da vida, da nossa e da de figuras que deixaram uma marca para lá do seu tempo.

Na morte como em vida, Che Guevara será admirado e odiado. E para lá do que uns chamam sonho e outros pesadelo, falta também não deixarmos de tentar saber quem ele foi, à luz do seu tempo. 

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