"Portugueses têm saúde acima da média. É fácil ser saudável aqui"

Dr. Oz, o mundialmente reconhecido cirurgião cardiotorácico e apresentador de televisão, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

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Bruno Mourão
10/11/2017 08:00 ‧ 10/11/2017 por Bruno Mourão

Mundo

Dr. Oz

Simpático, acessível, conversador e muito inteligente: Mehmet Cengiz Oz, mais conhecido como Dr. Oz, tornou-se famoso como uma personagem televisiva que entra nas casas de milhões de pessoas em todo o mundo graças à capacidade de transformar a saúde num tema fácil de compreender. 

Hoje em dia, o seu programa é visto em mais de uma centena de países e, apesar de algumas polémicas devido às opiniões sobre medicinas alternativas e as famosas vitaminas, Dr. Oz é uma personalidade incontornável no mundo da saúde e da televisão. 

O Notícias ao Minuto teve a rara oportunidade de 'roubar' meia hora do preenchido horário de um dos doutores mais famosos do mundo e falou dos mais variados assuntos numa entrevista que rapidamente se transformou em conversa informal. 

Sempre disponível para responder às dúvidas, Dr. Oz falou-nos da sua paixão pela comida e pela arte de rua portuguesa – que nos mostrou com entusiasmo no smartphone – e de como é fácil ser saudável em Portugal, tocando também nas várias experiências em televisão e até na política de saúde e de imigração de Donald Trump. 

É famoso em Portugal pelo seu programa, mas não conhecemos a sua ligação com o país. Já cá esteve antes? Gostou do que viu? 

Na verdade, já estive em Portugal várias vezes. Vou receber aqui a pessoa responsável pela publicação dos meus livros e conheço bem a estação televisiva que passa o meu programa [risos]. E não é só Portugal: eu sei que Portugal influencia a opinião noutros países. Há pessoas a ver a televisão daqui no Brasil, em partes de África e até na Europa de Leste. 

A noite de São João nunca poderia ser feita em Nova Iorque. Alguém ia bater com o martelinho com mais força e ia dar mau resultado. O povo português é muito respeitador

E está familiarizado com a saúde dos portugueses? Acha que é boa? 

Sim, sim, estou familiarizado. Acho que têm uma saúde acima da média por duas grandes razões: comem muitas gorduras ómega 3 por causa do peixe e apanham muito sol. É fácil ser saudável em Portugal e há uma razão da qual eu normalmente não falo muito: os portugueses dão-se muito bem uns com os outros. No ano passado estive no São João, no Porto, e pensei "este festival nunca resultaria noutros países". Na maior parte dos países é impossível andar a bater noutras pessoas com um martelinho! Havia pelo menos meio milhão de pessoas nas ruas a rir, a cantar, a dançar, a bater uns nos outros e nunca vi uma rixa, não vi pessoas bêbadas e estavam todos a divertir-se! Fiquei surpreendido. Estava a pensar para mim que aquilo nunca poderia ser feito em Nova Iorque [risos]. Alguém ia bater com mais força, ou acertar num olho e ia dar mau resultado. Isto diz muito do povo português. É uma comunidade muito respeitadora. O parceiro do meu padrasto chamava-se Jorge Serra e era português. Era um típico português: muito respeitador e assertivo, muito teimoso, mas sabia como tratar das pessoas e fazê-las perceber que se importava com elas. Esse é um dos atributos únicos dos portugueses e que ajuda a tornar esta comunidade mais saudável. 

Esta ideia do globo é muito portuguesaJá provou a comida? 

Claro, é incrível! Gosto muito do polvo à lagareiro. Fui à Praça do Comércio e encontrei um restaurante que achei fantástico, a refeição foi muito boa. [Enquanto nos mostra as fotografias] Também achei estes murais impressionantes. Esta ideia do globo é muito portuguesa, como se viu na descoberta do Mundo Novo. Ela vê o próprio reflexo no globo, o que é uma metáfora poderosa para a forma como nos vemos no mundo. Mas é preciso olhar com atenção. 

Qual é o seu prato preferido em Portugal? 

O bacalhau é muito bom. Eu sei que tem sal, mas vale a pena [risos]. As sardinhas também são muito boas, porque são tão frescas. Gosto também que os portugueses não inventem demasiado. Às vezes a comida torna-se demasiado complexa. Basta fazer a comida de forma simples se ela for boa. Eu comi sardinhas com pasta de azeitonas e pão torrado e quer dizer... porque é que havíamos de estragar tudo com molho? 

E o que é que nunca come? 

Batatas fritas de pacote, porque não é possível comer só uma. Começamos a comer, a comer e o problema não são as batatas em si, é o sal e a gordura pouco saudável. 

Há muitos anúncios falsos em que usam o meu nome, a minha cara e eu nunca vendi esse tipo de soluçõesNeste mundo da comida, há muitas dietas loucas que prometem transformações totais com pouco esforço. O que acha destas 'poções mágicas'? 

Há muitos anúncios falsos em que usam o meu nome, a minha cara e eu nunca vendi esse tipo de soluções. Eu fico louco de me ver nesses anúncios não autorizados, mas as pessoas fazem-no porque conseguem ganhar dinheiro. Se alguém lhe promete uma solução mágica, precisa de pensar que se ela resultasse, médicos como eu estariam a receitá-la. Não o fazemos porque não resulta. Se há algum desses comprimidos ou soluções que resultam, têm efeito durante pouco tempo, um mês ou dois, não são feitos para uso durante toda a vida. A única forma de perder peso de forma saudável é fazê-lo para toda a vida. Se não for assim, não interessa. Perde dois quilos este mês e vai ganhá-los no mês seguinte. 

Mas há 'dietas' que resultam. A dieta mediterrânea, que se faz em Portugal, é a melhor para ter uma vida longa e pode fazê-la todos os dias porque a comida é muito boa. Podem também fazer uma dieta 'paleo', mas essa não é tão focada nas gorduras, é mais de proteínas magras e vegetais. Se for vegetariano, vai perder peso e o corpo vai gostar da forma como está a perder peso. A quimioterapia, por exemplo, faz as pessoas perder peso. Com medicamentos para o cancro vai perder peso, mas não me parece que essa seja a forma como deve fazê-lo. 

Ao longo dos anos viu-se envolvido em alguma polémica devido à forma como recomenda a utilização dos comprimidos de vitaminas. O que acha verdadeiramente deste tema? 

Se as pessoas puderem obter as vitaminas diretamente da comida, é melhor. Nos Estados Unidos da América, a maior parte das pessoas não come como os portugueses. Por isso mesmo, para alguns americanos pode valer a pena tomar um multivitamínico de baixa dose. Nada de caro, apenas um pequeno comprimido por dia com as vitaminas básicas. Mas eu só recomendo isto como um plano de recurso se a alimentação não for boa. Em Portugal, deverá ser sempre possível comer bem. Nos Estados Unidos, aquela tosta com sardinha é bastante cara. Gostava que não fosse, mas é, por isso é que muita gente acredita que não consegue comprar esse tipo de comida. 

Fiquei surpreendido: Os preços da comida em Portugal são baixosEntão acredita que as pessoas nos Estados Unidos da América comem pior porque não têm dinheiro? 

As pessoas dizem que não têm dinheiro, mas não se apercebem que conseguem arranjar certos produtos por preços mais baixos. Podem comprar, por exemplo, ostras em lata, ou sardinhas; não são as sardinhas frescas, mas continuam a ser sardinhas, são boas. Na América, os mercados são muito caros. Aqui, eu fui ao Mercado da Timeout e achei tudo barato. Fiquei surpreendido: os preços da comida em Portugal são baixos. 

Quando entram numa mercearia ou num supermercado, devem pensar que estão a entrar numa farmáciaAcha que a comida é o verdadeiro segredo da 'juventude eterna'? 

A comida pode melhorar quase tudo. Acabei de lançar um livro que já é um 'bestseller' no New York Times e que se chama 'Food Can Fix It' [A Comida Pode Resolvê-lo]. Sabemos cada vez mais, em termos científicos, sobre a razão pela qual a comida pode resolver muitos assuntos. Para dores, problemas hormonais, para perder peso, para melhorar funções cognitivas, saúde cardiovascular, prevenção anti-cancro, tudo isso pode ser ajudado com comida. Depois disto vem a atividade física e há medicamentos que desempenham um papel crucial, mas o primeiro passo é sempre a comida. Quando entram numa mercearia ou num supermercado, devem pensar que estão a entrar numa farmácia. 

Coloca a comida e o exercício em lugares de importância semelhante na saúde das pessoas? 

Eu diria 60% de importância da comida e 40% da atividade física. É muito difícil perder peso com exercício, mas é possível manter o peso controlado com exercício. Depois de chegarem ao peso ideal com a comida, a atividade ajuda a manter-vos lá. 

Vi recentemente na sua conta de Twitter que partilhou um guia de exercício para as pessoas fazerem enquanto veem 'Stranger Things'. De onde surgiu a ideia? 

Quando se entra no 'zeitgeist', as pessoas vão atrás. O truque é usar um 'isco' para atrair as pessoas para algo que já lhes interessa. Se eu estiver a tentar convencer-vos a fazer um regime, todas as manhãs vou partilhar um pequeno lembrete, uma espécie de lista de coisas a fazer durante o dia. Se eu fizer um pequeno vídeo de um minuto, vocês vão lembrar-se. Nós fazemos isso na aplicação do Dr. Oz e a Sharecare é muito boa a fazer isso; pega em conteúdo que já é bom e junta-lhe a saúde. Nós temos um desafio: sabemos o que tem de ser feito, mas precisamos de convencer as pessoas a fazê-lo. Se já nos estão a ver, porque estão interessadas, quando falarmos de um assunto um bocadinho mais sério, as pessoas vão tomar atenção.  

As seguradoras não conseguem falar com os clientes porque eles não ouvem; as empresas não conseguem falar com os trabalhadores porque eles não ouvem; mas se vocês já estão a divertir-se comigo, quando eu disser "repara nisto", vai ser mais fácil ouvir.  

Houve recentemente uma discussão muito grande nos Estados Unidos sobre o sistema de saúde.  Há um sistema público de saúde em Portugal, Espanha... 

E na Turquia, Canadá, Suíça, Suécia... 

O que torna a saúde portuguesa melhor, será também o que a torna mais barata. A pior saúde é a saúde mais cara

Porque é que os Estados Unidos não conseguem criar um sistema público de saúde que todos apoiem? 

Porque o americano comum não confia no governo para criar um sistema como confia nos privados. Perguntam-me sempre isso. No Canadá eles têm um sistema em que as pessoas esperam pela sua vez, e quando ela chega recebe-se o que se semeia. É uma questão de 'estar na fila de espera'. No Reino Unido é a mesma coisa. Nos Estados Unidos o lema é 'vida, liberdade e alcançar a felicidade'. Ninguém vai fazer isso a não ser 'eu próprio'. A mente da maior parte dos americanos não consegue ultrapassar isso. Criaram-se falhas no sistema que impedem que exista um mercado verdadeiramente livre. Se for para ter um mercado livre, é preciso que ele seja verdadeiramente livre. Tem de se deixar todos oferecerem o melhor preço possível e ter uma rede de segurança do Estado. Se for para fazer um sistema público, toda a gente tem de estar no sistema público; se fizerem uma mistura dos dois sistemas, acabamos por ter o que temos hoje.  

Em Washington, hoje em dia, não se discute o verdadeiro problema. O problema não é como vamos pagar, é que não temos um tratamento justo pelo que pagamos. Nós gastamos muito mais e não temos a qualidade de tratamento que existe em Portugal, não temos tão bons resultados em métricas como a mortalidade infantil, estado geral de saúde, saúde das mulheres, etc. Estamos até a apoiar um projeto-lei no Congresso que propõe pagar às pessoas para ter acesso aos seus dados. Dessa forma posso ajudá-las. A solução não é pagar menos por serviços caros. Não preciso de estar a negociar o preço das máquinas de TAC, preciso de dizer que ainda não precisa de TAC e o que precisa de fazer. Se em vez de mudar o que estou a gastar, eu criar mais valor com o dinheiro que já tenho, vou conseguir pagar qualquer tipo de sistema de saúde. E isto aplica-se também aos sistemas de saúde da Europa: o que torna a saúde portuguesa melhor, será também o que a torna mais barata. A pior saúde é a saúde mais cara.  

O Partido Republicano foi raptado, foi tomado de assalto

A saúde é apenas um dos temas em que Donald Trump tem gerado polémica. Sabendo que o Dr. Oz é Republicano, o que pensa do trabalho do presidente dos Estados Unidos? 

Ele não é bem Republicano, está dos dois lados, não tem partido [risos]. Curiosamente, o partido Republicano significa coisas muito diferentes para o Norte, de onde eu sou, e para o Sul. Donald Trump não é Republicano, ele ganhou ao partido Republicano e depois ganhou ao partido Democrata. O partido Republicano no Norte baseia-se numa ideia de responsabilidade orçamental, mas de não ficar preso a assuntos moralistas. O partido Republicano foi criado por Abraham Lincoln para permitir que a união do país vencesse a escravatura e para proteger os direitos dos cidadãos. Este partido foi raptado, foi tomado de assalto.  

O que faz a América grande sempre foram e continuam a ser os imigrantes Donald Trump tem traçado também um caminho claramente anti-imigração. Sendo filho de imigrantes, como é que vê este discurso e política? 

O que faz a América grande sempre foram e continuam a ser os imigrantes. Em média, cada imigrante dos Estados Unidos cria quatro empregos. Mais de metade dos imigrantes da América estudaram na universidade. Esta percentagem é superior à dos americanos. Neste momento temos um país que foi construído por imigrantes e que se esqueceu de que esse é o recurso mais importante que temos. O que faz da América grande não é o petróleo, nem os campos, é bom termos isso, mas o que faz a América grande são as pessoas. Não existiam americanos e quando nos esquecemos disso é como se estivéssemos a deitar fora os nossos recursos naturais. Porque faríamos isso? 

Recentemente foi convidado para ser produtor executivo numa nova série de médicos na televisão norte-americana. Quer criar algo mais realista do que as séries comuns? 

[Risos] A ideia é ser realista, mas de uma forma estranha. O conceito do programa é que existem coisas no mundo da medicina que não podem ser explicadas com ciência: as pessoas não morrem quando deviam ter morrido, as pessoas recuperam de forma inimaginável... são milagres. É impossível explicar como acontecem. 

Conheço uma história verdadeiramente incrível: duas crianças estavam a brincar nas traseiras da casa delas no Colorado e caíram ao rio. Uma delas afogou-se. Durante 45 minutos procuraram a criança e não a encontravam. Finalmente encontraram-na, já azul e sem pulsação. Chega um helicóptero com paramédicos, entubam-na, fazem-lhe reanimação, dão-lhe medicamentos e nada. Levam-na para o hospital e durante mais de 1h45 nada acontece, mesmo com massagem cardíaca e tudo. Recusam-se a parar e finalmente conseguem ter pulsação outra vez. A criança está viva, mas em morte cerebral. É então que a criança acorda. Depois consegue recuperar completamente e vem participar no meu programa. Um ano depois está a andar e completamente recuperada. Qual é o milagre aqui? É o facto de a criança ter recuperado ou de ter sobrevivido 45 minutos sem se afogar? Para mim o milagre é que continuaram a fazer massagem cardíaca mesmo muito depois da altura em que deviam ter parado. Esse é o verdadeiro milagre.  

O programa que nós vendemos à CBS é sobre dois médicos, um que acha que isto é uma loucura, outro que acha que isto é fascinante. E o programa anda à volta da tensão entre eles os dois, porque hoje em dia há uma grande tensão entre a fé e a ciência. Há que perceber que os dois têm lugar, não existe uma resposta certa ou errada, é uma questão de equilíbrio. 

*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui.

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