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Último reduto da URSS, Transnístria é um dos países que 'não existem'

O Notícias ao Minuto Brasil visitou a região separatista e entrevistou o porta-voz do Parlamento da Moldávia, que luta pela reintegração do seu território.

Notícias ao Minuto

22:09 - 10/11/17 por Raphael Lima

Mundo Europa

''As tropas estrangeiras no território da Moldávia violam a Constituição do nosso estado, ou seja, o princípio da neutralidade.''

A declaração é de Andrian Candu, porta-voz do Parlamento da Moldávia, é clara: o exército russo não é bem-vindo na Moldávia. Mas há quem diga que a pequena faixa de terra, que vai de norte a sul da fronteira moldava com a Ucrânia, na verdade não é Moldávia, mas Pridnestrovskaya Moldavskaya Respublika, em russo, ou República Moldávia Transdniestriana.

A região, que ainda ostenta estátuas e bustos de Lenine, além de símbolos comunistas nas suas ruas, é um dos últimos redutos da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) no mundo. Antes mesmo da Moldávia, antiga república soviética, a Transnístria já havia declarado independência, ainda antes do fim da URSS, prevendo já a separação dos moldavos.

Língua russa, moeda própria e capital. A Transnínstria é um país que não existe. Após a guerra na década de 90, tropas russas invadiram a região para acabar com o conflito. Atualmente, o território é ocupado por homens do exército russo, 25% em missão de paz. E essa mesma Rússia que garante a existência do país, não o reconhece.

“Se ainda não convencemos os nossos parceiros, isso não significa que não vamos convencê-los mais tarde. Este trabalho está a ser feito. Desde 2006, a Pridnestrovie tem procurado estrategicamente a integração com a Rússia, inclusive ao nível legislativo, estamos envolvidos no processo de harmonização”, disse Vitaly Ignatiev, ministro das relações exteriores do país não-reconhecido por quase ninguém.

Aliás, apenas três nações tratam a Transnístria como um estado soberano: República do Nagorno-Karabakh, Ossétia do Sul e a Abecásia, ou seja, basicamente uma lista de repúblicas que também não existem para o resto do mundo.

Pavel Filip, primeiro-ministro moldavo, levou a situação do país à 72.ª Assembleia da ONU, em setembro deste ano: “Gostaria de invocar a Declaração do Parlamento da República da Moldávia sobre a retirada das forças armadas russas da Moldávia em 21 de julho de 2017, convidando a Federação Russa a retomar e concluir o processo de retirada das suas tropas e munições do território de a República da Moldávia”. Mais, disse: “Apelo a todas as delegações dos Estados membros da ONU para que apoiem este pedido legítimo, que corresponde plenamente aos princípios da Carta das Nações Unidas e representa um interesse fundamental da República da Moldávia.”

O chefe do Parlamento moldavo, Andrian Candu, que falou em exclusivo ao Notícias ao Minuto Brasil, destacou a declaração do primeiro-ministro:

"A decisão do governo é apoiada politicamente pelo Parlamento da Moldávia. Além disso, a Moldávia, como um Estado soberano, tem o direito de escolher se as tropas estrangeiras podem ou não estar no seu território. A atual presença russa não tem o consentimento da Moldávia e não está a promover a solução do conflito. Não houve movimento na retirada russa desde o início de 2004 (quando a Rússia interrompeu unilateralmente a evacuação das suas tropas). O reinício da retirada russa demonstraria a Tiraspol (capital da Transnístria) que o status quo (de uma Moldávia dividida) não é permanente", disse.

Notícias ao Minuto                               Andrian Candu, porta-voz do Parlamento moldavo (REUTERS/Matthias Williams)

A independência da Transnístria veio acompanhada de uma guerra civil. Estima-se que centenas de pessoas morreram, entre combatentes e civis.

Em abril de 1992, a Transnistria foi visitada pelo vice-presidente russo, Nikolay Rutskoy, que encorajou os transnisrianos a lutar contra a Moldávia e assegurou-lhes o apoio militar, financeiro e moral russo. Menos de dois meses depois, o tenente-general Alexander Lebed foi nomeado comandante do ROG (ex-exército russo).

"A República Autoproclamada na Transnístria (como refere-se Candu) permaneceu de facto ocupada pelo ex-exército soviético (agora russo), cujo comando era simpatizante dos separatistas, estacionados na Transnístria e que totalizavam cerca de 15 mil soldados profissionais e possuíam arsenais impressionantes, com todo tipo de armamento. Por conta disto, o governo da Moldávia teve poucas chances de resolver o conflito com a força de Tiraspol. A Guarda Republicana foi reforçada com cerca de 6.000 mercenários e voluntários de toda a Rússia, muitos dos quais vieram depois de uma série de recursos feitos nos media russos para apoiar os irmãos eslavos na Transnístria contra a 'agressão moldo-romena', uma cópia semelhante ao que vem acontecendo na Ucrânia - em 2014, com a invasão russa na Crimeia e em 2015, com a entrada em Dombas e Luhansk, todos distritos ucranianos. Após centenas de mortes de ambos os lados e dezenas de milhares de refugiados que fugiram da área dos conflitos na direção ocidental, um acordo de cessar-fogo foi assinado em 21 de julho de 1992 pelos presidentes da Federação Russa (Boris Yeltsin) e da Moldávia (Mircea Snegur)", assinalou Candu.

O porta-voz do Parlamento também explanou as consequências da atual situação no país no que diz respeito à política externa:

"O separatismo na Moldávia cria muitos outros obstáculos, não só no que diz respeito à entrada na União Europeia. Por exemplo, para as elites que enfrentariam um status pouco claro numa 'Moldávia reunida', onde a instabilidade política e económica é padrão, as autoridades não conseguem garantir o desenvolvimento e prosperar a estabilidade. O caso de Chipre, por exemplo, que também é dividido, não é um modelo para a Moldávia, e os Estados membros da UE não aceitarão um segundo cenário, pois o primeiro não é uma história de sucesso. Assim, a Moldávia deve ser reunificada antes para se juntar à União Européia e criar prosperidade para os seus cidadãos de ambos os bancos do rio Nistru (em russo, Dnestr, que divide as duas regiões)."

Questionado sobre a entrada na Aliança do Atlântico (Otan, criada em 1949 para conter o expansionismo soviético, proibir o renascimento do militarismo nacionalista na Europa através de uma forte presença norte-americana no continente e incentivar a integração política europeia), Candu explica como a lei do país impede a adesão:

"Esperando que algum compromisso possa obter apoio russo no restabelecimento da unidade nacional, a liderança da Moldávia concordou em deixar de procurar a adesão à Otan, introduzindo em 1994 na Constituição da Moldávia o Artigo 11, que descreve uma 'neutralidade permanente' ou qualquer relação especial com a aliança. Chisinau também reviu o seu conceito de Moldávia como um estado unitário ao mesmo tempo que recusava a ideia de confederação ou federalização com a Transnístria, conforme proposto por Moscovo. A contra-proposta moldava baseou-se na transformação da Moldávia num estado unitário e ampla autonomia para a região separatista da Transnístria. A Moldávia é então constitucionalmente neutra, mas procura aproximar-se das normas e instituições euro-atlânticas. As relações com a Otan começaram quando a Moldávia se juntou ao Conselho de Cooperação do Atlântico Norte (1992) e ao programa Parceria para a Paz (1994). O programa de cooperação do país com a Otan está estabelecido em um Plano de Ação de Parceria Individual , que é acordado e aprovado de dois em dois anos. Além disso, a Moldávia aceitou abrir um gabinete de 'ligação' com a Otan em Chisinau a partir de agosto de 2017."

Candu tem expectativas otimistas sobre o futuro das relações internas e externas do país com a Rússia e a Transnístria: "Sou otimista de que a Rússia retirará as tropas militares da Moldávia e, aí sim, poderemos reconstruir um só país, (re)unido, com perspectiva para ser membro da União Europeia."

ROTINA EM TIRASPOL

Pelas ruas de Tiraspol, capital da Transnístria, o clima é de uma cidade do interior. O caminho de Chisinau (vulgo Quixinau), capital moldava, até lá é curto, mais ou menos 70 quilómetros. No meio da estrada, uma parada numa fronteira simbólica, mas que está ali. O guarda pergunta em russo o tempo de estadia. Parece ser a única preocupação. No visto, concedido na hora, sem cobrança - diferentemente da Moldávia, que cobra pela entrada de brasileiros, por exemplo, algo em torno de 200 reais -, a hora de saída: dia 3 de novembro, 9h36 da manhã, ou seja, exatamente 24 horas após a entrada.

Tiraspol não é atraente. É como ser deixado na URSS da década de 70, 80. Apesar das animosidades entre as duas partes do Rio Dnister, o modus vivendi segue sem problemas. Ruas limpas, um ou outro comércio e uma certa proibição para fotografar. O silêncio impede qualquer movimento mais brusco. É possível ouvir a conversa na outra esquina, algo impensável em uma cidade um pouco maior, como Chisinau, por exemplo. Os turistas são escassos. São apenas três albergues na cidade e pouquíssimos hotéis. 

Notícias ao Minuto                               Parede de um dos albergues (Raphael Lima)

Uma espécie de museu a céu aberto do comunismo, o 'país que não é' parece não se preocupar com o imbróglio político que o envolve. E nem mesmo com sua própria história. A reportagem do Notícias ao Minuto Brasil visitou a Transnístria na semana da celebração dos 100 anos da Revolução de Outubro, a Bolchevique, que colocou os comunistas no poder. Apesar da importante data, nenhuma referência ao levante liderado por Lenin era visto na cidade.

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