O segundo fim de semana de Feira do Livro de Lisboa fica marcado por um episódio racista em pleno debate sobre o racismo. "Parecia encomendado. Uma performance racista, num debate contra o racismo. Estava boquiaberta".
As palavras são de Bárbara Bulhosa, editora da Tinta da China e um dos elementos do debate que tinha como ponto de partida a obra 'Racismo no País dos Brancos Costumes', de Joana Gorjão Henriques.
Foi através das redes sociais que Bárbara Bulhosa deu a conhecer este episódio testemunhado por participantes no debate e elementos da plateia.
"A voluntária 'contratada' pela APEL", apontou Bárbara Bulhosa, "passou o debate a gesticular e mandar bocas a dizer que não concordava nada com o que estava a ser dito, 'esta gente', repetiu várias vezes".
Além da atitude e comentários que revelavam "de forma inequívoca o que pensa sobre o racismo", "o problema surgiu quando", já o debate se aproximava do final, "começou a mandar calar directamente os intervenientes. Aproximou-se do palco e disse ao Mamadou Ba, que estava a falar: 'Vê lá se te despachas!' O Mamadou Ba, apanhado de surpresa, calou-se e a Joana Gorjão Henriques terminou a sessão imediatamente".
Mamadou Ba, ativista da SOS Racismo, confirma a postura da voluntária no evento e, na sua página no Facebook, dá-nos a sua perspetiva sobre o momento.
Mamadou Ba, que realça que no passado já enfrentou outras situações em que inclusive o apuparam quando denunciava episódios de racismo, admite que teve "um momentâneo bloqueio mental" perante o tal "vê se te despachas" que terá sido proferido pela voluntária.
Afirma Mamadou Ba: é "coisa que raramente me acontece por interrupção quando estou no uso da palavra. Não é que não esteja habituado a ser interrompido, até apupado às vezes durante uma intervenção. Costumo lidar com frieza ou irra com estes momentos, consoante as circunstâncias e os contextos. Mas ontem, nem uma nem outra coisa aconteceram. Por momentos, tive um nó na garganta", revela. Um episódio que caracteriza como "um murro no estômago".
Apesar de tudo, a atitude da voluntária não terá sido apenas criticada pelos membros do painel que se viram interrompidos. "A indignação da Editora pela voz de Bárbara Bulhosa, da assistência e das minhas companheiras de mesa foram um bálsamo para mim e a avalanche de reclamações no livro de reclamações são motivo de orgulho e esperança", destaca o ativista da SOS Racismo.
Bárbara Bulhosa, por seu lado, conta na mesma publicação que entrou logo em contacto com a organização da APEL - Associação Portuguesa de Editores e Livreiros. A voluntária em causa foi afastada mas a conversa não deixou de merecer críticas da editora da Tinta da China.
"De imediato, telefonei ao Carlos Beirão, responsável da APEL, encarregado da feira há anos, e contei-lhe o que se tinha passado, dizendo-lhe que não queria mais ali aquela senhora. Respondeu-me que iria substituir. Ainda lhe disse que iria tornar este acontecimento público, ao que me respondeu: 'Não me ameaces'. Sem mais. Não me veio pedir desculpas pelo sucedido, nem à autora e convidados. Aliás, ninguém me disse nada da APEL. Achei muito estranho", refere Bárbara Bulhosa.
O Notícias ao Minuto entrou em contacto no início da manhã com a APEL para uma reação oficial ao ocorrido e para tentar perceber se a voluntária em causa foi de facto afastada. Ao início da tarde, em comunicado publicado divulgado na página do Facebook da Feira do Livro de Lisboa, a APEL lamentou o sucedido, endereçando um pedido de desculpas a todos os intervenientes do debate.
A APEL assegura ainda que "tomou entretanto medidas para evitar a repetição de incidentes deste teor, que mais uma vez repudia".
[Notícia atualizada às 13h50 com reação da APEL]