Para a tese de Alice Toso, realizada entre outubro de 2014 e setembro de 2018, foram analisados 251 esqueletos humanos e 176 amostras de restos animais de sete locais no país, entre o século VIII e o século XV (período inserido na Idade Média).
Dessas análises, a investigadora e docente da Universidade de York concluiu que "a dieta dos portugueses mudou ao longo dos séculos entre o período islâmico e cristão", tendo-se registado uma mudança significativa na quantidade de proteína marinha consumida após o período de ocupação muçulmana.
As mudanças na dieta do português da época medieval não se registam apenas "por causa das diferentes normas religiosas alimentares, mas sobretudo devido ao panorama político e social".
"As cidades parecem ser os sítios que captam mais rapidamente esses câmbios, enquanto nos pequenos ajuntamentos rurais a forte relação com a terra e os recursos disponíveis na proximidade parecem ser o fator determinante. O que acho muito interessante é ver como as dinâmicas políticas, religiosas e sociais afetaram a vida das pessoas nesses tempos de transição, da mesma forma que acontece hoje em dia", sublinha Alice Toso, em declarações à agência Lusa.
No entanto, os dados recolhidos não permitem dar "uma resposta definitiva" para essa mudança na dieta, apesar de avançar com algumas hipóteses.
"Sabemos que, no período muçulmano, a pesca de alto mar não era praticada, por ser perigosa. Os navios cristãos dos reinos do norte tentavam constantemente a reconquista e as pessoas eram forçadas a pescar na proximidade da costa peixes mais pequenos e em pequenas quantidades", refere, salientando que, já sob a ocupação cristã, "o perigo da navegação em alto mar é menor e a tradição da exploração marítima das populações dos reinos do norte da península parece expandir-se ao país todo".
Com esta mudança na dieta também se identifica a alteração de uma economia ligada maioritariamente ao gado e à agricultura para uma economia fortemente marítima, que viria a caracterizar a idade moderna em Portugal, nota.
Alice Toso aponta ainda para os livros de receitas "em todo o mundo islâmico medieval", em que existe uma preferência para a carne (especialmente de cordeiro e carneiro), havendo poucas receitas de peixe.
"Isto também se revela no registo zooarqueológico, onde predominam restos de cabra e ovelha durante esse período", sustenta.
A tese, que recebeu a nota máxima pela Universidade de York, recorreu a uma técnica de análise de "isótopos estáveis de carbono e nitrogénio" dos restos mortais de animais e de humanos para chegar a estas conclusões.
"A concentração dos isótopos estáveis de carbono e nitrogénio, em particular, costuma medir-se no colagénio dos ossos arqueológicos e, graças aos valores conhecidos de determinados grupos de comida, a dieta das pessoas pode ser reconstruída", explica.
Para o futuro, a investigadora admite que gostava de continuar a explorar as mudanças da dieta portuguesa durante outros períodos de transição, nomeadamente o da expansão marítima.
"Acho muito interessante estudar a ligação entre comida, sociedade e economia. Cada cultura e população que passaram por essas terras deixaram uma marca que contribuiu para a identidade portuguesa. Não ter esses conhecimentos é como ter uma bela calçada portuguesa onde faltam umas pedrinhas ali e aqui: o desenho fica incompleto", salienta.