Bruno Nogueira reagiu esta segunda-feira ao processo que o juiz desembargador Neto de Moura disse que iria apresentar contra humoristas (e não só) por ofensa à honra, pelas críticas às suas decisões sobre violência doméstica.
O humorista começou por brincar dizendo-se desapontado por tentar "há anos construir uma carreira que me leve a ser processado por pessoas com valores morais apurado" e, afinal, apenas conseguir sê-lo por Neto Moura.
Em causa, note-se está uma das rubricas de 'Tubo de Ensaio, protagonizada por Bruno Nogueira, e com textos de João Quadros, e em que se apelidava o polémico juiz de "australopiteco de toga".
"Ele não toma decisões, atira pedras às vítimas", acrescentava, criticando o facto de Neto de Moura ter decidido tirar a pulseira eletrónica a um homem que agrediu com tanta violência a mulher, que chegou a furar-lhe um tímpano.
Esta manhã, o humorista reagiu afirmando que "se o senhor juiz não se sentisse ofendido era porque não estava a fazer o meu trabalho bem". Bruno Nogueira alega também que ele próprio se "sente ofendido com o que Neto de Moura escreve nos seus acórdãos".
"Sinto surpresa por um 'forte de toga' se sentir ofendido com críticas ditas no Tubo de Ensaio como se isso fosse pior do que um caso de violência doméstica a uma mulher", afirmou, referindo que a Neto Moura lhe incomoda mais algo que lhe "fere o ego" do que algo que possa ferir uma mulher.
Bruno Nogueira acusa ainda o magistrado de "trair o código civil, usa o preconceito da Bíblia e até leis de 1886" e de, por isso, não ter capacidade para ser "juiz nem dar lições de moral seja a quem for".
Por fim, e em tom irónico, diz que não se apresentará em tribunal com "um pau com pregos mesmo sabendo que isso poderia ditar a sua absolvição".
Ricardo Araújo Pereira também respondeu e criou jogo sobre juiz
Também Ricardo Araújo Pereira integra a lista de pessoas que o juiz Neto de Moura pretende processar. E também o humorista usou o seu espaço televisivo semanal no 'Jornal das 8' da TVI, ‘Gente que não sabe estar’, para reagir.
E respondeu com mais piadas. Mas não só. A dada altura, Ricardo Araújo Pereira chamou uma criança - “aleatoriamente sentada na fila da frente” - para jogar um jogo online, o ‘Salva o Neto’ (www.salvaoneto.pt).
Em caso de derrota, o jogo apresenta a seguinte mensagem: “vemo-nos em tribunal, rabos”, em alusão à piada do humorista que causou “dói dói” no juiz. Em caso de vitória: "Parabéns. Ganhaste. Graças a ti, o juiz ilibou mais um vil agressor. Boa!", pode ler-se.
Antes da apresentação e demonstração do jogo, RAP dedicou ao tema um leque de piadas sobre o último acórdão polémico sobre um caso em que o agressor rebentou um tímpano à vítima.
Neto de Moura, lembrou o humorista, escreveu que “os factos, apreciados na sua globalidade não relevam uma carga de ilicitude particularmente acentuada, confinando-se àquilo que é a situação mais comum no quadro geral da violência doméstica”.
Ou seja, “como quem diz: oh, já vi pior, ainda lhe deixou um tímpano perfeitamente bom para ela continuar a ouvir mais ameaças de morte. As pessoas também só vêem o copo meio vazio, em vez de verem o copo meio cheio e atirarem à cabeça da esposa. Realmente”.
Mais adiante, RAP referiu que o juiz argumentou que o arguido nunca utilizou qualquer objeto contundente nas agressões e comentou: “Não foi buscar nada para lhe bater, rebentou-lhe o tímpano à mão, e as coisas feitas à mão têm mais valor. Toda a gente sabe isso, é como o artesanato, vale logo mais”.
Sobre o facto de ser um dos visados de Neto de Moura por ter tecido “considerações que fazem dói dói ao meritíssimo”, Ricardo Araújo Pereira disse que, na perspetiva do juiz, “rebentar o tímpano ainda é como o outro”. “Agora sarcasmos? Isso aleija”, ironizou.
“Um juiz que apela ao poder de encaixe das mulheres no que toca a socos, mas tem dificuldade em encaixar paródia”, acrescentou.
RAP deu por isso uma sugestão a mulheres que venham a ser “julgadas” por Neto de Moura - basta dizerem: “ele realmente deu-me várias tareias, nada a dizer, mas contou-me três anedotas que me amesquinharam tanto”.
Por fim, afirmou estar descansado se for a tribunal e disse ate que gostava de ser julgado por Neto de Moura. “Ele sentiu-se agredido por mim e ele costuma estar do lado dos agressores, em princípio não me acontece nada”, atirou. E se for para a cadeia? Também deverá ser tranquilo, uma vez que não vai lá encontrar homens acusados de violência doméstica porque Neto de Moura os deixou todos na rua.
Visados de Neto de Moura "ultrapassaram liberdade de expressão"
Em entrevista à TVI, Ricardo Serrano Vieira começou por dizer que “algumas das informações” veiculadas sobre as decisões do juiz da Relação do Porto “não correspondem inteiramente à verdade”.
E, “mesmo que tivessem correspondência com a verdade”, salientou, “não justificariam as ofensas de que o senhor juiz-desembargador foi alvo”.
“Chamar animal irracional, besta ou dizer que [Neto de Moura] é um perigo para a segurança de outro cidadão, de facto, já ultrapassa aquilo que é a liberdade de expressão”, considerou, admitindo compreender “a indignação” em relação ao último acórdão em que o juiz decidiu retirar a pulseira eletrónica a um condenado por violência doméstica que perfurou o tímpano à vítima. No entanto, defendeu que as “regras processuais” foram respeitadas.
Na opinião de Ricardo Serrano Vieira, “a legislação sobre esta matéria em concreto precisa de ser revista”.
Quanto à passagem bíblica, que surge num outro acórdão em que o juiz Neto de Moura justifica violência doméstica com o facto de a vítima ter cometido adultério, o advogado referiu que “o que ali estava era uma resenha histórica feita pelo sr. dr. juiz, não era, no fundo, a justificação para uma decisão”, justificando que o desembargador pretendeu, com aquela passagem, “explicar como é que a nossa sociedade ao longo dos anos tratou este problema”.
Ricardo Serrano Vieira terminou afirmando que a decisão do Conselho Superior de Magistratura de sancionar o juiz, através de uma advertência, “não tem por base a decisão ou as decisões do juiz, tem por base a maneira como ele escreveu em dois desses acórdãos”.
Apesar disso, recorde-se, o juiz vai recorrer da decisão no Supremo Tribunal Administrativo.