O Presidente da República explicou esta quinta-feira que o facto de ter enviado para o Tribunal Constitucional o diploma sobre a procriação medicamente assistida revela que, quando tem uma “dúvida substancial de inconstitucionalidade” no seu espírito, não tem “nenhum tipo de relutância” em pedir a fiscalização preventiva.
Em segundo lugar, prosseguiu, “neste caso tratava-se de uma lei aprovada um ano depois de uma decisão do TC que tinha declarado contra a Constituição várias normas de várias leis anteriores. E num ponto, a Assembleia da República (AR) votou uma solução que, na minha perspectiva, entra em choque com aquilo que o TC tinha dito em 2018 tinha dito, que era o prazo da revogação pela gestante do contrato celebrado".
Na ótica do Chefe de Estado, a Assembleia da República votou “uma solução idêntica àquela que o TC tinha considerado inconstitucional” e, por isso, “é preciso perguntar ao tribunal o que pensa da lei”, justificou.
Interrogado por que razão não optou pelo veto, Marcelo respondeu que, neste caso, “era muito patente a questão da inconstitucionalidade, era muito evidente”. “Havia uma solução, foi declarada inconstitucional, há uma tentativa para aproximar a lei da posição do tribunal, não vinga no Parlamento. A dúvida é: a nova lei respeita a constituição ou não? Vale para a nova lei o que o Tribunal disse há um ano? Sim ou não?”, insistiu.
Em 19 de julho, recorde-se, a Assembleia da República aprovou em votação final global a alteração ao regime jurídico da gestação de substituição, mas que não incluiu a revogabilidade do consentimento da gestante até ao nascimento da criança imposta pelo TC.
Na nota que dava conta da sua decisão, Marcelo Rebelo de Sousa lembrava que "o regime anteriormente aprovado foi declarado inconstitucional" por um acórdão do TC de 24 abril de 2018.
"O entendimento que fez vencimento no Tribunal foi o da inconstitucionalidade do regime, na parte em que não admite a revogação do consentimento da gestante de substituição até à entrega da criança aos 'beneficiários', por violação do direito daquela ao desenvolvimento da personalidade, interpretado de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana, e do direito de constituir família, em consequência de uma restrição excessiva a estes direitos", referia.
O texto apresentado pela Comissão de Saúde relativo ao projeto de lei do BE para alteração ao regime jurídico da gestação de substituição foi então aprovado em votação final global com seis abstenções e 21 votos favoráveis do PSD, com os votos a favor do BE e do PS e os votos contra do CDS-PP, PCP e PSD.
O projeto do BE surgiu depois de o TC ter emitido em abril de 2018 um acórdão em que afirmava que a gestação de substituição para se conformar com a Constituição deve permitir a revogabilidade do consentimento da gestante até ao registo da criança.
Até então, o regime previa que esse arrependimento pudesse ser feito até ao início dos procedimentos de Procriação Medicamente Assistida.
No último plenário, em 19 de julho, o deputado bloquista Moisés Ferreira fez um último repto aos partidos para que aprovassem a proposta apresentada pelo BE que inclui a recomendação do TC e que não está contemplada no regime aprovado pelo parlamento. "Sem esta alteração, fica tudo suspenso. Ou seja, o regime é legal, existe na lei, só que não é possível aceder", advertiu então Moisés Ferreira.