A Amazónia tem 604 mil quilómetros quadrados de floresta sem proteção, 6,5 vezes o tamanho de Portugal, sendo para aí que se deslocam as queimadas, abrindo-a à especulação imobiliária, denunciou hoje, em entrevista à Lusa, o ativista.
Premiado em 2006 com o prémio Goldman, considerado o "Nobel" do Ambiente, devido à "luta contra a extração ilegal de madeira e operações de extração de minérios", o ativista ambiental é um dos convidados do FIGaia - Fórum Internacional de Gaia que decorre a partir de quarta-feira, e ao longo de 11 dias, na cidade de Vila Nova de Gaia, com o objetivo de encontrar soluções para a sustentabilidade.
Precisando que a Amazónia "não é o pulmão do mundo, mas uma máquina de água para as chuvas, distribuindo regularmente a chuva pelo Brasil e fora dele", o ativista defende que a maior floresta do planeta "é uma responsabilidade de todo o mundo".
E justificou: "no momento em que derrubarem a floresta amazónica, as florestas em Portugal vão começar a pegar fogo. Essa é a lógica".
À Lusa, Tarcísio Feitosa falou das consequências climáticas do "dia do fogo" que em 10 e 11 de agosto consumiu vastas áreas da floresta amazónica, apresentando novos números a poucos meses dos países voltarem a reunir-se na Cimeira do Clima, que vai decorrer no Chile.
"Na cimeira do Chile, no final do ano, os números vão apontar uma situação muito complicada na Amazónia, nas florestas que não estão protegidas (que não são terras indígenas, territórios quilombolas, assentamentos especiais ou unidades de conservação) e que somam cerca de 604 mil quilómetros quadrados de floresta sem proteção, ou seja, 6,5 vezes o tamanho de Portugal", relatou o ativista.
Escudado "em estudos e mapas de calor", o especialista brasileiro fez mais uma denúncia: "as queimadas propositadas estão a ir na direção dessas áreas [floresta desprotegida]. Estamos a assistir a uma especulação imobiliária dessas áreas, pessoas que incendeiam a floresta para depois a vender".
O epicentro do problema, disse, está, contudo, a milhares de quilómetros, em Brasília. "em nenhum momento o governo do Brasil disse que iria proteger terras indígenas" pelo que o que está a acontecer "é uma estratégia planeada", criticou Tarcísio Feitosa.
Para o ambientalista, "isto é uma conjugação entre evangélicos fundamentalistas, militares que apoiaram a revolta na década de 1960 e políticos de extrema-direita".
E prosseguiu: "escondido atrás disso estão as milícias das grandes cidades, que hoje as podemos nomear de narcomilícias, pois o seu papel é assegurar o deslocamento das drogas no Brasil, para além do comércio de armas".
"A Amazónia é o reflexo disso tudo, sendo que o governo está ainda aliado aos fazendeiros, à pecuária ilegal e aos madeireiros ilegais", disse o ativista com várias formações académicas na área ambiental, que abraçou um novo projeto para "poder ter mais armas" na luta pelo planeta.
Atualmente aluno no Curso de Graduação de Direito na Cidade do Rio de Janeiro, disse à Lusa que "deixou tudo para trás", ele que nasceu no Estado do Pará, em Altamira, para "conhecer a Lei e poder lutar pela sua justa aplicação".
"Na justiça demora-se cerca de 15 anos a julgar um caso ambiental. Os tribunais do Brasil continuam muito afastados do que são as decisões dos tratados internacionais. O Direito no Brasil tem de ser melhor aplicado, tem de inverter-se o ónus da prova, passando para o criminoso e não para quem denuncia a tarefa de provar a acusação", disse.
Crítico da postura do governo de Jair Bolsonaro perante a ajuda disponibilizada em agosto pelo G7, na sequência dos incêndios na Amazónia, lembrou os apoios recolhidos pelo Fundo Amazónia para rebater a ideia do Palácio do Planalto de que com a oferta dos 20 milhões de euros os sete países mais ricos pretendiam a "internacionalização da Amazónia".
"Isso seria o mesmo que pensar que os interesses internacionais estão de olho nos polos [Norte e Sul], no degelo, para fazer negócio. Ele [Jair Bolsonaro] não compreende que a Amazónia tem a função de garantir a continuidade da vida no planeta", acrescentou.