Sócrates sobre Tancos: "Tem uma evidente e ilegítima motivação política"

José Sócrates escreveu um artigo de opinião para o Expresso, onde se debruça sobre o caso de Tancos, tecendo duras críticas à forma como o Ministério Público tratou o caso e estabelecendo uma ponte com processos anteriores, como a Operação Marquês.

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Anabela Sousa Dantas com Lusa
29/09/2019 19:34 ‧ 29/09/2019 por Anabela Sousa Dantas com Lusa

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Tancos

"Para ir direto ao assunto, considero que a apresentação da acusação judicial de Tancos tem uma evidente e ilegítima motivação política", começou por escrever José Sócrates num artigo de opinião publicado este domingo pelo semanário Expresso e pela agência Lusa.

O antigo primeiro-ministro socialista faz referência ao facto do Ministério Público ter decidido deduzir a acusação "no meio da campanha eleitoral", mas aponta baterias à forma como essa acusação foi feita.

"O truque, desta vez, consistiu basicamente em apresentar nas televisões a prova – uma mensagem do antigo ministro para um deputado na qual afirma que “já sabia” . Todos os jornalistas foram atrás : “já sabia” – eis a smoking gun. Todavia, lida toda a mensagem, rapidamente nos apercebemos de que o ministro diz que já sabia da recuperação das armas e não que sabia da forma ilegal como elas foram recuperadas. A mensagem nada prova", escreveu o antigo governante.

Ainda assim, sustentou, "isolar aquelas duas palavrinhas permitiu o formidável passe de mágica que contaminou toda a conversa posterior". "A operação chama-se “spinning” e constitui hoje uma especialidade da nossa política penal", declarou.

José Sócrates atribui esta sucessão de acontecimentos à alegada promiscuidade na relação entre justiça e comunicação social: "Eis ao que chegou esse poder oculto, subterrâneo e quase absoluto que resulta dessa extraordinária aliança entre procuradores (alguns) e jornalistas".

O antigo político profetiza que as vítimas finais desta relação serão os juízes, antecipando a "irrelevância" do "seu papel na justiça penal". "Afinal, já não precisamos deles: o ministério público investiga, o ministério público acusa, o ministério público julga – tudo isto nos jornais e nas televisões, seu terreno de eleição", escreveu.

Sobre o momento da conclusão da acusação, José Sócrates considera "fraco" o argumento de que haveria um prazo de prisão preventiva que se esgotava".

"Com tanto tempo para investigar e acusar, é difícil encontrar razões para o não terem feito antes da campanha. O que resta, pelas regras da experiência comum que tanto gostam de invocar, é que queriam que a acusação tivesse exatamente o efeito político que teve", defende.

No plano político, José Sócrates elogia a posição que o presidente do PSD, Rui Rio, teve no frente-a-frente televisivo com o secretário-geral do PS, António Costa, embora lamente que, depois, com o processo de Tancos, o líder social-democrata não tenha seguido o seu princípio de recusa da justiça na praça publica.

Para José Sócrates, Rui Rio "produziu o momento mais singular de toda a campanha afirmando com coragem que a democracia não convive com julgamentos de tabacaria - um novo acorde que teve o impacto de tudo aquilo que se ouve pela primeira vez".

"O outro, com esmeradíssima prudência, tratou o caso como assunto de intendência - isso é lá com a justiça. Como se do outro lado de toda esta conversa não houvesse pessoas reais. Como se não estivesse a falar de direitos individuais, de garantias, de Constituição. Como se o direito democrático não fosse, no que é essencial, a imposição de limites ao poder estatal", escreve, numa crítica a António Costa.

No entanto, observa José Sócrates, uma semana depois, com o processo de Tancos, "a situação inverte-se : o primeiro decide atacar o primeiro-ministro dizendo que, se não sabia é grave e, se sabia, mais grave é ainda".

"Esta afirmação só se percebe se o próprio partir do princípio de que o ministro da Defesa sabia, isto é, que ele é culpado. O ataque ao primeiro ministro pode ser político, mas é baseado no julgamento prévio do antigo ministro da Defesa. Em boa verdade, o que fez foi condenar sem ouvir a defesa e sem esperar pelo veredicto de um juiz. Por sua vez, o primeiro-ministro, indignado, declara o óbvio - a declaração encerra uma vergonhosa condenação pública antes de qualquer julgamento", afirma José Sócrates.

No mesmo artigo, considera que o a violação do segredo de justiça "é um crime que o Estado reserva para si próprio".

"Eis no que nos tornámos : em 2005, foi o Freeport; em 2009, as escutas de Belém; em 2014, a operação marquês, agora foi Tancos que se seguiu à espetacular operação de buscas e apreensões a propósito de um concurso de golas para uso em incêndios e que juntou duzentos polícias, vários procuradores e o juiz do costume. Tudo isto, evidentemente, devidamente coberto pelas televisões, avisadas com antecedência", aponta, para tirar a seguinte conclusão: "É isto, e julgo que não é preciso fazer um desenho".

Sublinhe-se que, na quinta-feira, o Ministério Público acusou 23 pessoas, entre elas o ex-ministro da Defesa, José Azeredo Lopes, no caso do furto e da recuperação das armas do paiol da base militar de Tancos. Azeredo Lopes demitiu-se do cargo na sequência deste processo.

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