Sócrates. Quatro dias de interrogatório (e a cassete da confiança)

Antigo primeiro-ministro, ouvido esta semana pelo juiz Ivo Rosa no âmbito do processo Operação Marquês, não inovou nas declarações aos jornalistas, repetindo a cassete da confiança e do longo caminho da reposição da verdade. O interrogatório continua na próxima segunda-feira.

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Melissa Lopes
01/11/2019 09:15 ‧ 01/11/2019 por Melissa Lopes

País

Operação Marquês

Esta semana ficou marcada pelo regresso do ex-primeiro-ministro aos holofotes televisivos. À entrada e à saída do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, onde foi ouvido pelo juiz Ivo Rosa ao longo dos últimos quatro dias, José Sócrates quis passar uma imagem de tranquilidade e de confiança naquilo que diz ser um caminho para "repor a verdade".

Ao longo da semana, Sócrates não inovou nas declarações perante as perguntas dos jornalistas. Na manhã do primeiro dia de interrogatório da fase de instrução, segunda-feira, disse: "Venho aqui fazer aquilo que tenho feito ao longo destes cinco anos: repor a verdade. É um longo caminho, bem sei, é um caminho mais árduo do que aqueles que fazem alegações completamente infundadas, injustas e até absurdos".

Uma declaração que havia de repetir à saída do TCIC, nesse mesmo dia. "É fácil fazer alegações infundáveis, mais difícil é repor a verdade", reforçou. No segundo dia, terça-feira, afirmou apenas: "Estou muito satisfeito como as coisas estão a decorrer"

Já na quarta-feira, aproveitou os microfones dos vários meios de comunicação social presentes à entrada do TCIC para criticar uma "declaração imprópria" do procurador Rosário Teixeira

Começando por dizer que não fazia comentários sobre o que se passa no tribunal, Sócrates disse que queria, isso sim, responder às declarações feitas pelo procurador: "Hoje reparei numa declaração do sr. procurador [Rosário Teixeira], nos jornais, de que no final faríamos contas e considero essa declaração perfeitamente infeliz e completamente imprópria".

"Mas é muito revelador de tudo o que esteve na base deste processo, uma certa motivação pessoal. Pensava que os procuradores da República tinham apenas uma preocupação com a justiça e a legalidade democrática. Espero portanto que o sr. Procurador tenha oportunidade de rectificar essas infelizes declarações", atirou.

O ex-governante referia-se a uma declaração de  Rosário Teixeira que, quando confrontado com as críticas que José Sócrates tinha feito à acusação do Ministério Público, disse: “O senhor engenheiro diz o que quiser sobre essas coisas. E, no fim, a gente faz contas”.

Quinta-feira, no quarto dia de interrogatório, voltaria à mensagem de sempre. "Estou muito confiante, muito tranquilo e muito satisfeito", declarou à entrada do tribunal. E, à saída, nada de novo. "Correram muito bem [os quatro dias de interrogatório]. Estou muito satisfeito", garantiu, acrescentando que está "preparado para tudo". Apesar de afirmar que não está "nada cansado", José Sócrates admitiu, novamente, que "há um longo caminho para a reposição da verdade".

Esta quinta-feira era, segundo a SIC Notícias, o mais difícil dos quatro dias de interrogatório. Isto porque o antigo primeiro-ministro foi confrontado com as entregas de dinheiro por parte de Carlos Santos Silva. Ao juiz Ivo Rosa, Sócrates terá garantido, uma vez mais, que eram apenas empréstimos.

Já o magistrado disse aos jornalistas que o interrogatório vai prosseguir na segunda-feira à tarde em Lisboa. 

Depois de Sócrates, é a vez do amigo ser ouvido

Recorde-se que o antigo primeiro-ministro começou a ser interrogado esta segunda-feira, a seu pedido, na instrução da Operação Marquês, quase cinco anos após ter sido detido por suspeitas de branqueamento de capitais, corrupção, fraude fiscal e falsificação de documento.

No Requerimento de Abertura de Instrução (RAI), o antigo primeiro-ministro reitera que "não cometeu qualquer crime, nem praticou os factos narrados na acusação, muitos dos quais nunca sequer ocorreram" e considera que isso está "exuberantemente demonstrado nos autos".

José Sócrates será o penúltimo arguido a ser interrogado nesta fase, estando previsto que o seu amigo e empresário Carlos Santos Silva preste declarações a 27 de novembro.

A fase de instrução, que é facultativa e funciona como um mecanismo de controlo jurisdicional da acusação do Ministério Público, conclui-se com a decisão do juiz de levar ou não a julgamento os arguidos e os termos em que isso acontece.

O juiz Ivo Rosa começou a instrução no final de janeiro e pretende concluí-la um ano depois, já que o debate instrutório está marcado para os dias 27, 28, 29, 30 e 31 de janeiro.

José Sócrates, que esteve preso preventivamente durante dez meses e depois 42 dias em prisão domiciliária, está acusado de três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documentos e três de fraude fiscal qualificada.

Entre outros pontos, a acusação sustenta que Sócrates recebeu cerca de 34 milhões de euros, entre 2006 e 2015, a troco de favorecimentos a interesses do ex-banqueiro Ricardo Salgado no Grupo Espírito Santos e para garantir a concessão de financiamento da Caixa Geral de Depósitos ao empreendimento Vale do Lobo, no Algarve, e ter acordado com o seu amigo Carlos Santos Silva negócios para favorecer empresas do grupo Lena através de obras do projeto Parque Escolar.

No final de 2006, segundo a acusação, Carlos Santos Silva e Joaquim Barroca, administrador do Grupo Lena, aceitaram integrar o esquema financeiro para ocultar a origem e a propriedade dos fundos de Sócrates, tendo concordado em abrir contas para a passagem de fundos, junto do banco suíço UBS.

A Operação Marquês teve início a 19 de julho de 2013 e culminou na acusação a 28 arguidos - 19 pessoas e nove empresas - a 11 de outubro de 2017 pela prática de 188 de crimes económico-financeiros.

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