A Procuradoria Geral da República (PGR) fez saber, na manhã desta terça-feira, que solicitou um “parecer complementar ao Conselho Consultivo versando o regime de acesso ao registo escrito de decisões proferidas no interior da relação de subordinação hierárquica”, pode ler-se numa nota enviada às redações.
A PGR decidiu ainda “suspender a publicação em Diário da República da Diretiva nº. 1/2020, até que o Conselho Consultivo emita o citado parecer complementar”.
Recorde-se que alguns membros do Conselho Superior do Ministério Público ficaram desagradados com o facto de Lucília Gago, procuradora-geral da República, ter transformado um parecer do Conselho Consultivo da PGR numa diretiva sem antes o colocar à discussão no próprio CSMP.
A diretiva, que servirá de doutrina para os magistrados do MP, prevê que a hierarquia possa intervir nos processos-crime, "modificando ou revogando decisões anteriores".
O pedido de parecer ao Conselho Consultivo sobre o conflito entre autonomia e hierarquia dos magistrados do MP tinha sido proposto pelo Conselho Superior à procuradora-geral da República, razão pela qual alguns membros entendem que Lucília Gago deveria ter discutido o teor do parecer com o CSMP antes de o transformar numa orientação.
O conflito entre autonomia e hierarquia do MP foi um assunto que motivou críticas do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), a propósito da investigação ao furto e achamento das armas furtadas em Tancos.
Na investigação do caso de Tancos, os procuradores quiseram ouvir o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, António Costa, sobre os factos que envolvem a Polícia Judiciária Militar na recuperação das armas furtadas, mas o diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, Albano Pinto, e a procuradora-geral da República opuseram-se, no que foi visto como um conflito entre a autonomia dos procuradores e a obediência à hierarquia.
Na última semana o SMMP anunciou que vai impugnar judicialmente a diretiva da PGR sobre a intervenção da hierarquia em processos judiciais e exigir, por abaixo-assinado, que Lucília Gago revogue a orientação.
Depois desta posição do SMMP, a PGR veio esclarecer que o parecer do Conselho Consultivo não atribuía à procuradora-geral da República poderes acrescidos de intervenção direta em processos e que os magistrados do Ministério Público têm o dever de recusar ordens ilegais.
Numa nota enviada de esclarecimento enviada às redações na passada sexta-feira, a PGR destacou que o parecer do Conselho Consultivo apenas "analisa as relações hierárquicas estabelecidas entre um magistrado e o seu imediato superior hierárquico, concluindo que a hierarquia sindica as falhas da autonomia interna e esta os abusos daquela".
"As relações hierárquicas entre os magistrados do Ministério Público mantêm-se nos termos em que foram concebidas e consolidadas nas últimas décadas", sublinha o esclarecimento, insistindo que os magistrados do MP "têm o dever de recusar ordens ilegais e a faculdade de recusar tal cumprimento em casos de grave violação da sua consciência jurídica".
O CSMP é formado por 18 membros, entre procuradores, advogados, membros eleitos pela Assembleia da República elementos designados pela ministra da Justiça, sendo presidido pela procuradora-geral da República.
"PGR deu passo importante no sentido de esclarecer dúvidas. Eram muitas"
“A PGR devia pedir ao conselho consultivo o esclarecimento de uma questão que é muito importante, de saber qual é o grau de publicidade, isto é, de conhecimento público, que os cidadãos podem ter, às decisões que sejam tomadas relativamente a processos pendentes no MP. Essa era uma questão que estava a suscitar muitas dúvidas", começou por referir o Presidente da República.
Sustentando que "o parecer anterior não se debruçava sobre essa matéria e isso permitia dúvidas, críticas e especulações sobre se podia haver decisões secretas", Marcelo sublinhou que "ao pedir novo parecer, ao dizer que vai pedir novo parecer, parando até se conhecer esse parecer, a senhora procuradora geral - Lucília Gago - deu um passo importante no sentido de esclarecer dúvidas, que eram muitas, e, por outro lado, contribuir para uma distensão numa magistratura que é muito importante".
Até porque, concluiu, "não podem existir dúvidas de que o MP tem uma missão fundamental", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa.
[Notícia atualizada às 17h59]