"Foi a primeira vez que se fez rádio em língua portuguesa no mundo", disse à Lusa Diniz Borges, presidente do Instituto Português Além-Fronteiras, que está sediado na Universidade Estadual da Califórnia, Fresno.
O responsável sublinhou que as emissões começaram antes da chegada da rádio a Portugal, que aconteceu em 1924.
"Quando começaram as primeiras estações de rádio começou logo a rádio em língua portuguesa, o que é fascinante", afirmou, dizendo que as primeiras estações de rádio nos Estados Unidos chegaram em 1919.
A rádio em português foi inaugurada em 10 de junho de 1920 por José Vitorino, um emigrante açoriano oriundo da ilha Terceira. A emissão era feita a partir da cidade de Stockton, no vale de São Joaquim, intitulava-se "Vasco da Gama" e passava na estação de rádio KBMC, que entretanto deixou de existir.
De acordo com uma entrevista a outro pioneiro luso-americano da rádio, Frank Mendonça, Vitorino era analfabeto, o que o professor considera notável. A emissão era feita com a companhia de um amigo que tocava viola e assim proporcionava momentos musicais aos emigrantes que sintonizavam a estação.
"Ele foi o único a ter rádio em língua portuguesa entre 1920 e 1930. Dois anos mais tarde, em 1922, começou um programa em Visalia, uma vez por semana", contou Diniz Borges.
O projeto do Instituto (PBBI, na sigla inglesa) e da FLAD vai durar um ano e passará pela recolha de gravações antigas de pessoas a falarem dos anos iniciais, gravações dos programas de rádio e entrevistas com luso-americanos que têm memória das décadas seguintes.
"Estamos a ter conversas com pessoas que ainda se lembram não de 1920, obviamente, mas que se lembram da rádio nos anos quarenta e cinquenta", disse Diniz Borges.
"Depois estamos a ter conversas com pessoas que foram pioneiras da segunda onda da rádio, a que começou pós-vulcão dos Capelinhos", explicou, referindo-se à erupção nos Açores em 1958, que levou a uma grande vaga de emigração para a Califórnia.
O objetivo é arquivar todo o material dentro do projeto alargado das histórias orais e organizar uma exposição cronológica sobre a rádio de língua portuguesa na Califórnia, quando regressarem as atividades presenciais após a pandemia de covid-19.
"A rádio foi de suma importância para a comunidade", sublinhou Diniz Borges. "Os programas de rádio eram a grande fonte de informação para a comunidade e para a ligar à língua portuguesa", acrescentou, afirmando que foi vital para as famílias continuarem a ter uma ligação a Portugal.
As emissões deram também um "enorme contributo" para a continuação da língua portuguesa na Califórnia, com um peso importante antes de serem lançados os primeiros cursos de português nas escolas secundárias e nas universidades.
De acordo com uma entrevista arquivada na história oral da Universidade Estadual da Califórnia, Berkeley, José do Couto Rodrigues, sobrinho do radialista Agnelo Clementino, disse que entre 1963 e 1971 houve 53 programas de rádio em português na Califórnia. Estes programas tinham, inclusive, clubes de fãs associados.
"Os locutores da rádio eram uma espécie de deuses da comunidade, eram líderes no verdadeiro sentido da palavra e comunicadores por excelência", afirmou Diniz Borges. "Havia sempre algum despique entre um e outro".
Agnelo Clementino e Joaquim Esteves, dois dos maiores locutores da rádio na Califórnia, chegaram a organizar um debate frente a frente em Oakland, que segundo o presidente do Instituto levou mais de 900 pessoas a assistir.
As emissões em português continuam até hoje com vários programas em frequências FM, AM e via internet. O programa em português mais antigo em toda a América do Norte chama-se "Saudades da Nossa Terra" e é de Miguel Canto e Castro, que completa em 2 de julho 59 anos no ar.
Em Los Banos, vale central da Califórnia, a estação KLBS ainda transmite em português 14 horas por dia e em São José, a KSQQ fala português quatro horas diárias.
Diniz Borges, que apresenta o programa em inglês "Portuguese-American Hour" na KGST, refere que este é um bom momento para "falar da audácia do senhor José Vitorino há cem anos" e fazer um trabalho de pesquisa, "porque mesmo aqueles que estiveram envolvidos na rádio nos anos sessenta já são pessoas com idade" e é preciso "registar esses acontecimentos".