Para as minorias, a qualificação superior é uma arma contra o preconceito

Num encontro virtual, o Governo tentou hoje demonstrar aos jovens abrangidos pelo Programa Escolhas as potencialidades de estudar no ensino superior, frisando as potencialidades do interior e sublinhando que a qualificação ajuda a desarmar movimentos populistas, racistas e xenófobos.

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Lusa
15/09/2020 21:26 ‧ 15/09/2020 por Lusa

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"Presas fáceis". Foi desta forma que o secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, João Sobrinho Teixeira, se referiu ao posicionamento de pessoas com mais baixas qualificações perante movimentos populistas e com um discurso de ódio e estereotipado, que tem maior acolhimento em quem não tendo boas condições de vida, nem qualificações para as melhorar, está mais disponível para aderir de forma acrítica a essas ideias.

"Os movimentos racistas e xenófobos encontram acomodação nos que não tiveram a sorte na vida de se qualificar", disse Sobrinho Teixeira à audiência de um 'webinar', organizado pelo Alto Comissariado para as Migrações, dedicado a apresentar os apoios existentes para frequentar o ensino superior e dirigido a alunos do Programa Escolhas, um programa que está a celebrar 20 anos e que apoia crianças e jovens de contextos desfavorecidos e promove a igualdade de oportunidades.

Natália Serrana, uma das oradoras do webinar, garante que não teria chegado onde chegou sem a ajuda do programa OPRE -- Programa Operacional para a Promoção da Educação, integrado no Programa Escolhas e que disponibiliza a jovens ciganos bolsas para frequência universitária.

Em conversa com a Lusa, a jovem cigana, de Beja, contou que com a ajuda do OPRE concluiu a licenciatura em Artes Plásticas e Multimedia no politécnico da sua cidade e está agora a concluir o mestrado em Desenvolvimento Comunitário e Empreendedorismo. O estágio profissional quer fazê-lo no museu onde fez o estágio curricular. Um percurso de sucesso para uma mulher cigana que é caso único em Beja.

"O grupo OPRE foi um apoio incrível, sem o grupo não sei se teria terminado a licenciatura ou mesmo ingressado no mestrado. Somos todos de etnia cigana, nem sempre é fácil, por causa do racismo e isso tudo, e sendo mulher cigana ainda é mais complicado, porque somos mesmo muito poucas. Aqui na cidade de Beja sou a única", disse, sublinhando que este projeto lhe deu a independência que sempre quis para si e que conquistou -- vive sozinha e paga as suas contas, diz orgulhosamente.

"Sempre quis fazer algo mais, sempre quis estudar e tentar ter melhores condições de vida. Passei a maior parte da minha vida em instituições e tinha que estudar para conseguir ter um melhor nível de vida", disse.

Para Natália, umas das grandes dificuldades foi ultrapassar a envolvente comunitária. Em Beja reside uma comunidade cigana tradicional e adversa à mudança e à integração na sociedade, ainda há carroças, mulheres vestidas de preto que passeiam grupos de crianças pelas ruas, confusões com a polícia. Um retrato de uma comunidade que parou no tempo, garante a jovem, que diz que no seu grupo OPRE, todos os outros estudantes ciganos "são muito mais avançados" em relação à comunidade da cidade onde vive.

Entre os mais jovens já vê mudanças, mentalidades diferentes e vontade de integração e sabe que o seu exemplo contribui para isso, desde logo pelo retorno do trabalho voluntário que faz. O OPRE paga-lhe as propinas, mas pede-lhe que desenvolva trabalho voluntário junto da comunidade cigana. Numa das ações de formação que deu ouviu de uma mulher cigana o desejo de ver os filhos alcançar o que Natália Serrana conseguiu para si.

O desejo de ter na qualificação uma arma contra o preconceito, defendido por Sobrinho Teixeira, é uma realidade diária para Natália. Com a licenciatura concluída a perceção dos outros sobre si "mudou muito, muito mesmo", garantiu.

"Eu também não tenho a aparência de uma mulher cigana, mas as pessoas aqui sabem", disse à Lusa, referindo que os seus amigos a usam como exemplo para rebater preconceitos quando eles surgem em conversa e que ter conquistado a sua independência levou as pessoas a mudar de opinião.

Cláudia Pereira, secretária de Estado para a Integração e as Migrações, que participou no 'webinar', defendeu a importância da qualificação para reduzir as desigualdades socais e sublinhou que o encontro virtual de hoje serviu para mostrar aos estudantes abrangidos pelo Programa Escolhas as possibilidades e oportunidades no ensino superior, sobretudo no interior, frisando que a mobilidade do litoral para o interior pode valer mais apoios sociais -- com a bolsa de mobilidade +Superior de 150 euros por mês a poder acumular com bolsas de apoio social, por exemplo -, benefícios fiscais e um custo de vida inferior.

Cláudia Pereira disse não ter dados atualizados do universo de alunos do Programa Escolhas que prossegue estudos superiores, mas disse ter a perceção que o interesse é crescente.

"Muitos deles não tinham perspetiva de ir para o ensino superior e foi só por frequentarem o Programa Escolhas que passaram a ter essa expectativa", disse.

Numa altura em que o Programa Escolhas celebra 20 anos, foi hoje publicado em Diário da República o diploma que efetiva a 8.ª geração do programa, para 2021 e 2022, dando continuidade aos cerca de 100 projetos existentes em todo o país e aprofundando áreas de atuação como o trabalho com pais e famílias de alunos em risco, a inclusão digital e a colaboração com estruturas e programas nacionais, como o Programa Nacional de Leitura, ou o de Artes, e federações desportivas e culturais.

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