Historiografia africana sobre a guerra contra Portugal está presa a mitos
Os autores da obra "Guerra Colonial", que é hoje lançada, consideram que a historiografia oficial de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau no combate contra Portugal está condicionada por mitos e interesses políticos ainda atuais nos respetivos regimes.
© Global Imagens
País Guerra colonial
Em Angola e Moçambique "os dois partidos que estão no poder são os que fizeram a guerra e lutaram" e, por isso, "valorizam os seus interesses" na interpretação do que se passou, explicou Aniceto Afonso, um dos autores da obra que é hoje relançada.
Matos Gomes concorda e refere que é normal esta visão mítica da própria história. "A história dos movimentos de libertação está a ser feita cá (em Portugal) com os arquivos que estão todos cá", salientou o historiador.
Por outro lado, a guerra contra o colonizador "perdeu alguma importância por causa das guerras civis que se seguiram" e "não há muitos trabalhos" feitos por historiadores africanos sobre o conflito, salientou Aniceto Afonso.
O código de silêncio de alguns dos protagonistas da guerrilha, a morte de outras figuras e a insistência em narrativas oficiais faz com que a maior parte das fontes históricas esteja em Portugal, em muitos casos à espera de novas investigações.
"A história nunca é neutral e os novos estados de língua portuguesa ainda estão numa fase de afirmação das suas identidades" e procuram desculpar "falhas e erros" próprios que, noutro contexto, "não podem ser admitidos" e devem ser referidos em investigações científicas, explicou Matos Gomes.
Em muitos países, na história da sua própria luta, "é muito difícil assumir as dissensões internas ou os que colaboraram ou pertenceram a outra entidade do estado colonial", resumiu Matos Gomes.
A primeira edição da "Guerra Colonial" foi lançada em 1997 por fascículos e foi a primeira vez que "se sistematizou o conhecimento" sobre o conflito, recordou Aniceto Afonso. Desde então, "alguns arquivos foram abertos", publicaram-se outros estudos e várias "memórias sobre experiências individuais" de combatentes.
No entanto, apesar disso, reconheceu, a guerra entre Portugal e os movimentos de libertação africanos "não é um tema que seja prioritário" na academia, que tem dado prioridades a questões sociais ou a memórias pós-coloniais.
Há "poucos estudos com uma abordagem militar da questão política, da questão da estratégia e da tática ou organização das forças", admitiu também Matos Gomes, assumindo que existe também uma questão ideológica por detrás disso.
"Os militares sentiram que aquela foi uma guerra perdida. Militarmente, Portugal não conseguiu resolver o problema colonial" e "há sempre este pudor em assumir que a forma de fazer a guerra se foi degradando ao longo dos tempos, por falta de motivação e de moral, por variadíssimas incapacidades que o exército tem na formação dos seus quadros" ou "na aquisição de equipamento adequado", explicou Matos Gomes.
"É muito delicado e existe algum pudor de falar como nós falamos sobre os fatores de desgaste da guerra", resumiu.
Com mais de 580 páginas, a obra editada pela Porto Editora inclui novos capítulos em relação à primeira edição, alargando a análise não apenas ao campo militar, mas ao contexto político do regime e ao balanço final do conflito.
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