"Até agora as acusações do Ministério Público não foram provadas. Não existem provas que possam sustentar as acusações dos crimes de falsificação de documentos, branqueamento de capitais e ajuda à fuga", disse à Lusa o advogado José Guterres.
Em causa está o julgamento de três homens, o português Davide Justino e os timorenses Natalino Faria e Malaquias Faria, que são acusados de envolvimento na fuga do casal Tiago e Fong Fong Guerra.
O advogado disse que as testemunhas já arroladas nas primeiras sessões -- o julgamento está na fase de produção de prova -- não conseguiram confirmar a tese da acusação.
"Por exemplo, em relação à ajuda a fuga, as testemunhas disseram que viram uma pessoa tipo africana, mas não viram nenhum dos três com o Tiago e a Fong Fong", referiu.
Em agosto de 2017, Tiago e Fong Fong Guerra foram condenados a oito anos de prisão pelo Tribunal de Díli, sem que o caso tenha desde aí transitado em julgado, por ter sido alvo de recurso.
Enquanto aguardava a decisão sobre o recurso, mantendo a sua inocência e acusando o Tribunal de Díli e o Ministério Público de várias irregularidades, o casal fugiu para a Austrália, onde chegaram, de barco, em 09 de novembro de 2017, tendo chegado a Lisboa em 25 de novembro.
A fuga do casal causou tensão diplomática entre Portugal e Timor-Leste, com o assunto a suscitar críticas de dirigentes políticos e da sociedade civil, com artigos a exigir investigações à embaixada de Portugal em Díli.
Os três coarguidos foram detidos em dezembro de 2017, tendo Davide Justino e Natalino Faria ficado um mês em prisão preventiva antes de lhes ser alterada a medida de coação.
Os três estiveram, desde então, a aguardar julgamento com Termo de Identidade e Residência (TIR), com passaportes confiscados e impossibilitados de sair do país, com o processo a arrancar no Tribunal de Díli apenas em setembro último.
O Ministério Público alega que os arguidos venderam o barco que foi usado pelo casal português para viajar até à Austrália.
Natalino Faria detém a maioria das ações da empresa proprietária do barco, com a parte minoritária a ser detida por Davide Justino.
Além dos crimes de falsificação documental, com cariz agravado, e branqueamento de capitais, a acusação do Ministério Público centra-se no artigo 290 do Código Penal timorense que pune com penas de até três anos de prisão, ou multa, quem "total ou parcialmente impedir, frustrar ou iludir atividade probatória ou preventiva de autoridade competente, com intenção ou com consciência de evitar que outra pessoa que praticou um crime seja submetida a pena ou medida de segurança".
O crime adicional de falsificação documental é punido com pena de prisão até três anos.
José Guterres explicou que Natalino Faria foi o único dos três arguidos a ser inquirido no tribunal, com os outros dois a usarem o direito ao silêncio, não respondendo por isso às perguntas do Ministério Público, do coletivo de três juízes e da Defesa.
Durante as primeiras audiências do julgamento -- o caso continua no início de dezembro -- as testemunhas arroladas pelo Ministério Público (a defesa não arrolou testemunhas) responderam a questões sobre a compra do barco.
José Guterres disse que um dos aspetos mais importantes tem a ver com o comprador do barco, Antonio da Silva Guterres, que o MP diz não existir, acusando Natalino Faria de esconder o verdadeiro comprado (Tiago Guerra) e de inventar um contrato falso.
"Essa pessoa existe, mas desapareceu logo que o barco foi comprado", explicou o advogado.
A acusação do Ministério Público sustenta que Tiago Guerra terá contactado um dos arguidos no início de novembro sobre a possibilidade de comprar um barco, negócio que alega ter sido concretizado em 03 de novembro pelo valor de 17 mil dólares.
Dois dias depois, Davide Justino e Natalino Faria terão transportado o barco para a costa sul de Timor-Leste e, em 06 de novembro, o segundo terá comprado combustível no valor de 16 mil dólares para a viagem.
O casal partiu de Díli para a zona sul nesse mesmo dia, sustenta a acusação, partindo de barco para a Austrália no dia seguinte.
O Ministério Público sustenta que os três acusados atuaram propositadamente para facilitar a fuga do casal Guerra, recorrendo a documentos falsos para justificar a venda do barco a outro cidadão.
O julgamento continua em 05 de dezembro.
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