São cinco - José Sócrates, Carlos Santos Silva, Ricardo Salgado, Armando Vara e João Perna - os arguidos da Operação Marquês que vão a julgamento. A decisão instrutória foi lida, esta sexta-feira, no Campus da Justiça, em Lisboa, pelo juiz Ivo Rosa. Todos as acusações de crimes de corrupção que constavam no processo acabaram por 'cair'.
Sócrates e Carlos Santos Silva vão responder, cada um, por seis crimes: três de branqueamento de capitais e outros três crimes de falsificação de documento - aqui descritos em pormenor. Já Ricardo Salgado, ex-líder do BES, vai a julgamento por três crimes de abuso de confiança.
Armando Vara, antigo ministro e ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos, será julgado por um crime de branqueamento e, finalmente, João Perna, antigo motorista de Sócrates, por um crime de posse de arma proibida.
Neste processo constavam outras figuras públicas que não foram pronunciadas pelo juiz Ivo Rosa. Joaquim Barroca, ex-administrador do grupo Lena, Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, administradores da PT, Bárbara Vara, filha de Armando Vara, Hélder Bataglia, fundador da Escom, e Sofia Fava, ex-mulher de José Sócrates, entre outros, não vão a julgamento.
Dos 189 crimes que constavam na acusação da Operação Marquês, apenas 17 vão a julgamento. O juiz determinou ainda que Sócrates e Carlos Santos Silva sejam julgados em conjunto por um tribunal coletivo e que Salgado e Armando Vara sejam julgados em processos autónomos. João Perna será julgado por um juiz singular.
O procurador do Ministério Público Rosário Teixeira já anunciou que vai recorrer da decisão instrutória da Operação Marquês, que decidiu não levar a julgamento por corrupção o antigo primeiro-ministro José Sócrates.
Leia aqui em pormenor as decisões de Ivo Rosa
O caso de José Sócrates
O ex-primeiro-ministro estava acusado de um total de 31 crimes: corrupção passiva de titular de cargo político (três), branqueamento de capitais (16), falsificação de documento (nove) e fraude fiscal qualificada (três). Destes, seis ficaram 'de pé'.
José Sócrates foi ilibado dos crimes de corrupção passiva relacionados com o Grupo Lena e o empresário e seu alegado testa-de-ferro, Carlos Santos Silva, entre 2005 e 2011, de outro entre o ex-chefe do Governo e o antigo banqueiro Ricardo Salgado envolvendo o Grupo Espírito Santo e a PT, e ainda um terceiro em coautoria com o ex-ministro Armando Vara sobre o financiamento pela Caixa Geral de Depósitos do empreendimento Vale do Lobo. É o primeiro ex-chefe do Governo a ser julgado em Portugal.
'Caíram' ainda dois crimes de falsificação de documento de Sócrates, assim como foi ilibado nos casos da parque Escolar e TGV. No caso Venezuela/Grupo Lena, o juiz Ivo Rosa considerou também não haver prova de crime por parte do ex-governante. Os crimes de fraude fiscal que lhe eram imputados também não irão prosseguir.
Já sobre a origem do dinheiro, o juiz Ivo Rosa não acredita em empréstimos de Santos Silva a José Sócrates: "Nada impedia empréstimos", mas suscitam dúvidas, proferiu. O magistrado entendeu haver indícios para julgar José Sócrates pelo crime de corrupção sem demonstração de ato concreto... mas este crime já prescreveu.
Prescrição e erro na qualificação jurídica salvam Sócrates de corrupção
Entre a consumação destes crimes - finais de 2006 - e a constituição como arguido do ex-primeiro-ministro José Sócrates e do seu amigo Carlos Santos Silva, decorreram sete anos e 11 meses, o que faz com que estas condutas ilícitas tivessem prescrito.
De acordo com a decisão, os pagamentos em dinheiro e de despesas por parte de Carlos Santos Silva ao ex-primeiro-ministro "são suscetíveis de preencher, quanto a Sócrates, um crime de corrupção passiva de titular de cargo político sem demonstração de ato concreto", punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.
Da parte de Carlos Santos Silva, estar-se-ia, por seu turno, perante corrupção ativa sem demonstração de ato concreto, punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 60 dias.
Contudo, sustenta, estes crimes "não se encontram imputados na acusação a nenhum dos arguidos", não tendo o juiz de instrução permissão para fazer uma alteração substancial dos factos.
Pelas contas do juiz, ambos os crimes já prescreveram: a corrupção ativa sem demonstração de ato concreto [Carlos Santos Silva] em finais de 2008 e a corrupção passiva que se mostra indiciado [Sócrates] expirou em 2011.
O que disse Sócrates?
À saída do Campus de Justiça - e após conhecer as decisões de Ivo Rosa - o ex-primeiro-ministro apontou que "a acusação tem uma motivação política" e que a distribuição do processo foi "manipulada" para que o juiz Carlos Alexandre ficasse com este.
O ex-governante assinalou também que "todas as grandes mentiras da acusação hoje caíram - a acusação da fortuna escondida é uma mentira -, a acusação da corrupção - é mentira -, a acusação de uma ligação com Ricardo Salgado - é completamente mentira" e prometeu defender-se dos crimes pelos quais foi acusado.
Para José Sócrates, a única conclusão a tirar é que "prenderam e difamaram durante sete anos um inocente". "Todos os crimes [de que foi acusado] não existiram. Todas as mentiras eram falsidades", disse.
Leia aqui na íntegra a decisão instrutória da Operação Marquês
Os outros arguidos
Os crimes de branqueamento de capitais, pelos quais Sofia Fava, Inês do Rosário e João Perna estavam indiciados, não vão ser julgados. Rui Horta e Costa não vai a julgamento, depois de estar acusado de quatro crimes: corrupção ativa de titular de cargo político (um), branqueamento de capitais (um) e fraude fiscal qualificada (dois).
Também não se irão sentar no banco dos réus, de acordo com a decisão hoje proferida, nove empresas. São elas: Lena Engenharia e Construções, SA, Lena Engenharia e Construção SGPS, Lena SGPS, XLM-Sociedade de Estudos e Projetos Lda, RMF - Consulting, Gestão e Consultoria Estratégica Lda, XMI - Management & Investmenst SA, Oceano Clube - Empreendimentos Turísticos do Algarve SA, Vale do Lobo Resort Turístico de Luxo SA e Pepelan - Consultoria e Gestão SA.
Quem não vai a julgamento na Operação Marquês?
O advogado de Ricardo Salgado, Francisco Proença de Carvalho, disse, após ter sido lida a instrução, que, "se a Justiça mantiver a distância necessária em relação a tanta coisa que se diz, sem se saber o que se está a dizer", o ex-banqueiro será absolvido.
"O processo não termina aqui como é evidente e a nossa confiança mantém-se igual. Se a justiça mantiver a distância necessária em relação a tanta coisa que se diz, sem se saber o que se está a dizer, o meu cliente será absolvido", referiu depois de ser conhecido que Salgado irá a julgamento por três crimes de abuso de confiança.
Já José António Barreiros, advogado de Zeinal Bava, ex-presidente executivo da PT que foi ilibado de todos os crimes de que estava acusado, explicou aos jornalistas que a defesa argumentou que o gestor não poderia ser acusado, porque não tinha estatuto de funcionário da empresa, razão esta que foi acolhida pelo juiz Ivo Rosa.
"Tudo se passava na SGPS e a SGPS não era concessionária do serviço público. O Tribunal acolheu esta razão e, portanto, tudo caiu a partir daí", esclareceu.
O advogado do ex-administrador do grupo Lena Joaquim Barroca admitiu hoje que "a seu tempo" o seu cliente processe o Estado depois de não ter sido pronunciado pelos crimes que lhe eram imputados na Operação Marquês. Este estava acusado de 14 crimes: corrupção ativa de titular de cargo político (um), corrupção ativa (um), branqueamento de capitais (sete), falsificação de documento (três) e fraude fiscal qualificada (dois).
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