No primeiro dia de interrogatório no julgamento do processo de Tancos, que decorre em Santarém, o ex-investigador da Polícia Judiciária Militar (PJM) reconheceu que devia ter partilhado informações com a PJ quando o material bélico foi recuperado, em outubro de 2017 na Chamusca, e negou ter feito um acordo com o mentor/denunciante do furto de Tancos, o arguido João Paulino.
"Eu que incriminei camaradas [numa alusão ao processo dos Comandos] de crimes gravíssimos, alguma vez ia fazer um acordo com alguém que não conhecia e que enxovalhou o Exército", disse.
No seu longo depoimento Vasco Brazão, mostrou-se muitas vezes critico em relação à postura assumida pela PJ civil e pelo Ministério Público pelo facto, disse, de não terem partilhado informações sobre o processo com a PJM.
"Fizemos uma recolha de informações, ou uma investigação paralela como lhe quiserem chamar, sobre a qual a PJ e o MP não foram informados e hoje arrependo-me disso. Quando recuperámos o material eu deveria ter forçado uma reunião com o Ministério Público", admitiu aos juízes, criticando a postura assumida pelo seu superior hierárquico, coronel Estalagem.
A propósito da ordem da procuradora-geral da República Joana Marques Vidal de atribuir a investigação do furto à PJ, retirando competências à PJM, o major referiu que o diretor Luis Vieira, também arguido no processo, sempre se mostrou convencido que o despacho iria ser revertido.
"Na ótima do diretor-geral [da PJM], o despacho da PGR, que considera ser ilegal, mais cedo ou mais tarde, iria ser revertido e por isso pediu para que continuássemos a recolha de informação sobre o caso", contou o ex-investigador.
Após a descoberta do material, acrescentou, os elementos da PJM "ficaram proibidos de recolher mais informações por ordem" do atual diretor da PJ, Luis Neves.
Questionado sobre se sabia que a recolha de informações da PJM e o andamento da investigação eram do conhecimento do ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes, outro dos arguidos, Vasco Brazão referiu que a ideia que tinha era que o governante estava apenas acompanhar o assunto e que desconhecia as diligências.
"A ideia que o diretor-geral me transmitia era que o assunto estava a ser acompanhado ao mais alto nível, no sentido em que o país estava com os olhos postos em nós. O que o ministro podia saber era que estávamos a fazer todos os esforços para recuperar as armas", afirmou o major, acrescentando: "Se éramos nós ou a PJ, acho que não devia saber".
Segundo o major, a relação entre Luis Vieira e Azeredo Lopes era "meramente profissional e institucional", não tinham um relacionamento de "confiança, nem à vontade", considerando, por isso, que "o que diz o processo é ficção" e garantindo que o diretor da PJM nunca partilhou com ele as conversas que teve com o ministro.
Por oposição, a relação entre Luis Vieira e o chefe da casa militar da Presidência, João Cordeiro, era muito próxima e de confiança .
Sobre a chamada telefónica anónima, que espoletou a descoberta do material furtado, Vasco Brazão garantiu que foi feita a pedido do coronel Estalagem, que, contudo, já negou ter tido conhecimento da mesma e da própria investigação paralela da PJM, havendo, portanto, uma contradição entre os dois depoimentos.
No final da sessão o seu advogado, Ricardo Sá Fernandes, considerou o depoimento de Vasco Brazão "muito digno", por ter admitido que errou quando não partilhou informações com a PJ, ele que, na fase de instrução, tinha admitido a possibilidade do seu cliente ser julgado por denegação de justiça, um dos crimes de que está acusado.
"O major Vasco Brazão disse hoje o que sempre disse, isto é, no dia posterior ao achamento informou o ministro através da entrega do memorando e que, até ao dia do achamento nunca teve contactos com o ministro", afirmou o advogado defendendo que o depoimento do seu cliente foi "de grande dignidade" ao assumir no tribunal que ele e outras pessoas da PJM "desenvolveram um trabalho de pesquisa de informação paralela não acompanhado pela PJ e pelo Ministério Público e mostrou o seu arrependimento, já que considera que deveria ter havido articulação logo em setembro", lembrando que na altura "havia duas policias de costas voltadas".
Sá Fernandes insistiu que o militar nunca disse que "o ministro sabia do que quer que seja até ao dia do achamento, mas que depois deste soube que não tinha havido uma chamada anónima, mas um informador da polícia".
Vasco Brazão, que chegou a estar em prisão preventiva, está acusado de associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação de documentos, denegação de justiça, prevaricação e de favorecimento pessoal.
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