Está em funcionamento a partir de hoje, 17 de maio, Dia Internacional Contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia, o centro de apoio (A)MAR -- Açores pela diversidade, que funciona nas instalações da Associação de Planeamento Familiar (APF), em São Miguel.
O espaço, o primeiro deste género nos Açores, oferece acompanhamento psicológico para as pessoas LGBTQI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgénero, Queer e Intersexo) e pretende atuar como um ponto central no acesso a respostas de saúde, jurídicas ou sociais.
São também hoje lançadas as plataformas digitais desta organização, como o 'site' próprio e as páginas nas redes sociais Facebook e Instagram, através das quais qualquer pessoa pode entrar em contacto com a associação.
A iniciativa surge em São Miguel como resposta aos problemas de "dimensão imensa" com que a realizadora Cláudia Varejão e a sua equipa de produção se depararam durante o 'casting' para o filme "Lobo e Cão", que será rodado na ilha, e que retrata esta população.
"Um dos faróis do filme [reside] mesmo nas questões de identidade, de género e de orientação sexual e, portanto, não é por acaso que estes jovens nos foram aparecendo no filme -- estamos a falar de muitas centenas -- e que partilharam, talvez a achar que aqui podiam ser escutados e ser ajudados com as suas questões", conta a cineasta à Lusa.
As "questões" reveladas passam pela "violência na escola, violência em contexto familiar, abuso físico, abuso verbal, crianças e jovens que são colocados fora de casa e a prostituição, que acaba por ser uma resposta, justamente, porque não há um chão para se viver e, portanto, é preciso ganhar dinheiro".
Há ainda "um outro problema, que é muito profundo na ilha, que é a toxicodependência", aponta, referindo que "todas estas questões, que são altamente problemáticas, estavam envolvidas, desde os mais novos até aos mais velhos".
Face a estes problemas, e à constatação de que há uma "falta de respostas específicas" para pessoas LGBTQI+ na região, o (A)MAR assume um papel agregador do "trabalho disperso" feito por várias associações locais, que respondem a problemas sociais gerais, mas não têm uma atuação específica para estas pessoas, explica a cineasta.
A psicóloga Joana Amen, por seu lado, confirma: "Nós não temos respostas sociais para este grupo, para esta vulnerabilidade específica em que estas pessoas vivem. Só que há tantos problemas sociais aqui na ilha, que às vezes vai-se deixando passar".
"Não é o ser LGBT que põe as pessoas em situação de vulnerabilidade, é a discriminação (...) porque não há nada de errado em ser LGBTQI+", realça.
Por isso, foi pensada "a constituição de uma rede de combate à discriminação às pessoas LGBTI."
"Isso tem de acontecer. É um grupo com muitas especificidades, e todas nós, pessoas da área social, já tivemos, em determinada altura, contacto com essas pessoas e sabemos que, até a nível de formação [sobre] como lidar com estes temas, há uma lacuna", afirma Amen.
A psicóloga e coordenadora técnica da APF-Açores, Solange Ponte, refere que esta associação é a "casa mãe" da (A)MAR, mas a ação do centro conta com uma "rede regional, com vários parceiros, que já vêm, de algum modo, fazendo algum trabalho no terreno" e também com o apoio de várias instituições de apoio à população LGBTQI+ a nível nacional.
Da rede regional fazem parte instituições que fazem intervenção social aos mais diversos níveis, como a promoção da igualdade, o combate às toxicodependências, apoio à imigração, ou à integração sociocultural, mas será também essencial o papel das autarquias.
Solange Ponte sublinha também "a necessidade, por parte dos profissionais que trabalham nas IPSS e trabalham com esse público, de adequar o discurso".
Joana Moreira, formada em psicologia e em enfermagem, que também trabalha na APF, destaca que o (A)MAR espera alargar a sua ação, mas definiu como prioridade, "haver um gabinete de acompanhamento a estas pessoas", o que permitirá "ir identificando os problemas que estas trazem".
A responsável adianta que "há aqui um problema de [as necessidades] não estarem identificadas de uma forma sistemática e de não haver dados organizados sobre o que é que acontece".
Ainda assim, antevê que seja "preciso criar circuitos, por exemplo, com as unidades de saúde, com respostas jurídicas e aos problemas sociais. Enquanto técnicos, temos essencialmente psicólogos, mas, certamente, serão necessários outros profissionais, a dada altura, e é importante a criação desta rede".
Joana Brilhante é ativista e investigadora na área de Direitos Humanos e está a trabalhar sobre os efeitos do isolamento geográfico nos direitos, liberdades e visibilidade da população LGBTI+, concentrando-se na Região Autónoma dos Açores para o estudo de caso.
A académica, que abraçou também este projeto, confirma que não existem dados sobre esta comunidade nos Açores.
"O que se está a passar é que, nos Açores, ainda estamos numa fase em que não é ok tu seres LGBT, portanto tu escondes. Este é aquele tipo de violência silenciosa em que vamos tentar intervir também", afirma.
Para esta investigadora, "é por isso que é tão importante ter uma equipa multidisciplinar, como é a da (A)MAR", que serve, também, para dar "visibilidade a esses temas".
"Só dando visibilidade é que as coisas se tornam normais", afirma.
Este centro de apoio conta ainda com a colaboração da produtora Diana Diegues, que pretende fazer a ponte com a sociedade civil, já que, considera, "é a sociedade civil que vai ajudar nesta transformação, que vai ajudar a que estas pessoas se sintam muito mais livres e muito mais apoiadas nas suas escolhas".
Para já, só tem presença física em Ponta Delgada, mas este "pretende ser um projeto a nível regional, ou seja, que não se cinja apenas a São Miguel, apesar de ser a mais populosa", realça.
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