"Deixei o programa porque fui censurado na opinião que expendi relativamente à proibição da vigília para assinalar os acontecimentos na praça de Tiananmen, por parte da PSP de Macau", contou o jurista à Lusa, confirmando uma informação já avançada na terça-feira pelo jornal Expresso.
O jurista, que fazia parte há dez anos do painel de comentadores da estação, disse que comunicou a decisão de abandonar o programa à direção de programas da TDM, em 08 de junho, tal como o outro comentador, o jornalista Emanuel Graça, que não quis fazer declarações à Lusa.
Segundo o jornal Expresso, além de cortar as declarações sobre Tiananmen do debate pré-gravado, difundido em 30 de maio, o canal público de rádio e televisão de Macau também teria eliminado reportagens da versão 'online' do Telejornal em português, transmitido no dia 04 de junho, data em que se assinalava o 32.º aniversário do massacre.
Frederico Rato disse à Lusa que, nos comentários eliminados, defendia que a proibição da vigília violava a Lei Básica, a mini-constituição do território, e que esta "corria o risco de passar a letra morta", prenunciando "o princípio do fim da [sua] aplicação".
"Como fui censurado nestas duas coisas que disse, deixei o programa", contou, afirmando que se trata de um incidente "completamente inédito".
Na segunda-feira, a TDM confirmou, em resposta a questões "de um órgão de comunicação social", que "foi decidido remover o comentário" do programa semanal Contraponto, gravado em 28 de maio, alegando que "os comentadores opinaram sobre um processo que decorria no âmbito do Tribunal de Última Instância", sobre um recurso apresentado pelos organizadores da vigília, após a proibição da polícia, "e, do qual, não havia ainda uma decisão final".
"Assim, tendo a TDM em consideração que não é conveniente fazer quaisquer comentários ou emitir opiniões sobre casos cujo processo judicial ainda se encontre em curso, foi decidido remover o comentário" do programa "emitido nesse fim de semana", pode ler-se na nota.
A estação alegou ainda que, no programa seguinte, "os comentadores presentes foram convidados a emitir a sua opinião sobre o Acórdão do Tribunal de Última Instância que tinha sido tornado público no dia 3 de Junho", confirmando a proibição da polícia.
O advogado Frederico Rato desmentiu as justificações da estação. "Eu não fiz qualquer comentário à decisão de qualquer tribunal, fosse ele qual fosse, e gostava que a comissão executiva da televisão de Macau transcrevesse e publicasse esse comentário fantasma que nunca existiu", ironizou, criticando ainda a alegação da TDM de que "não é conveniente" comentar processos judiciais em curso.
"Não é conveniente? Mais quais são os critérios de conveniência, quem é que diz o que é ou não é conveniente? Eu não posso ficar refém dos critérios de conveniência da TDM, e foi por isso que decidi, em consciência, que tinha de sair", disse, negando em qualquer caso que tenha sido assim que as coisas se passaram.
"Para já, pode-se falar [sobre processos em curso], os advogados [nas causas] é que não podem, mas eu não estava lá na condição de advogado, e além disso não falei nem um segundo na gravação sobre qualquer decisão de qualquer tribunal", acrescentou o jurista, há 37 anos em Macau.
No comunicado divulgado na segunda-feira, a TDM confirmou ainda que "foi retirada uma reportagem da versão final disponível no website" do Telejornal transmitido em 04 de junho, afirmando que "não tinha sido previamente visionada" e que "a jornalista também não tinha seguido as instruções que lhe tinham sido dadas pelo editor", acrescentando que "a [sua] inclusão nada acrescentaria em termos de informação".
De acordo com o jornal Expresso, em causa está uma de quatro reportagens sobre a proibição da vigília transmitidas no Telejornal, com críticas da associação Novo Macau à interdição.
Em março, a TDM foi alvo de polémica, após a administração da estação proibir os jornalistas do serviço de rádio em língua portuguesa de divulgar informação e opiniões contrárias às políticas da China e do Governo de Macau, e instando-os a aderir ao "princípio do patriotismo" e do "amor" ao território, tal como a Lusa noticiou.
O caso levou à demissão de pelo menos cinco jornalistas, tendo o Executivo de Macau negado que o território estivesse a impor restrições à liberdade de imprensa.
Nessa altura, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva, disse à Lusa que o Governo "esperava" que a China cumprisse a Lei Básica de Macau, "designadamente, (...) em matéria de liberdade de imprensa".
Para o advogado Frederico Rato, "parece que, pouco a pouco, esse acervo de direitos, liberdades e garantias está a ser desgastado e não está a ser respeitado".