RSI e abono: Medidas desarticuladas não servem para combater pobreza
A presidente da Cáritas defendeu que o Rendimento Social de Inserção (RSI) ou o abono de família são insuficientes para combater a pobreza e que estas medidas são apenas um custo quando desarticuladas, apontando que é preciso estratégia e ambição.
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País Cáritas
Em entrevista à agência Lusa, quando completa o seu primeiro ano de mandato à frente da Cáritas Portuguesa, Rita Valadas afirmou que o Rendimento Social de Inserção (RSI) ou o abono de família não chegam para retirar famílias de uma situação de pobreza.
"São tudo medidas que desarticuladamente são puramente um custo e não vão ter nenhum resultado, por isso eu acho que devemos ter estratégias que devem dizer o que se vai medir e que recursos vamos alocar para conseguir atingir os objetivos", sublinhou.
"Temos que ser ambiciosos naquilo que queremos", acrescentou.
Defendeu, por isso, que as medidas de política social merecem "um olhar sério e desapaixonado", de modo a conseguir-se "realismo na avaliação".
Disse, por outro lado, que lhe "custa muito ver a medida abono de família transformada num método para resolver os problemas da pobreza" quando se trata de uma medida criada para resolver um outro problema, o da baixa natalidade, sublinhando que "uma baixa natalidade não tem classe social".
"O abono de família concorre com outras medias para combater a pobreza, então vamos todos trabalhar para isso em vez de dizer que há medidas de apoio à família independentemente da classe social porque não há", criticou.
Admitiu ficar também "um bocadinho" preocupada quando ouve dizer que "se vai resolver o problema da pobreza aumentando o valor do RSI".
Na ótica de Rita Valadas, o RSI devia ser uma prestação social "toque e foge", ou seja, em que se avança para uma família ou um beneficiário, faz-se um diagnóstico e define-se as áreas de atuação, seja a saúde, educação, emprego ou segurança social.
"O que for preciso que permita que a pessoa saia. Se [o apoio] não permite que a pessoa saia, alguma coisa aqui não está certa", defendeu.
Apesar de admitir que o valor médio que é pago de RSI às famílias "não dá nem nunca deu" para retirar alguém da situação de pobreza, a presidente da Cáritas lembrou que a intenção do legislador quando criou esta prestação social não era que servisse para tornar uma pessoa autónoma, mas antes que se juntasse a outras áreas de intervenção que fossem necessárias, algo que se "foi esboroando".
"Eu fiz uma consulta à rede [nacional de Cáritas diocesanas], porque foram celebrados os 25 anos do RSI, e o que me dizem é que neste momento o RSI é um diálogo entre uma pessoa pobre e um assistente social sem recursos", revelou.
Defendeu, por isso, que não é possível pensar medidas de política social só com a segurança social, apontando que "isso é o mais simples" e "já levou a muitos descaminhos", propondo, em alternativa, um plano de intervenção que seja cumprido por todas as partes.
"É preciso que, assim como penalizamos as famílias ou as pessoas quando incumprem no seu contrato, a outra parte também devia ter essa penalização e de facto ninguém é penalizado se ninguém cumpre", apontou Rita Valadas.
Entende que o desafio atual está em evitar que as famílias afetadas pela pandemia engrossem os números da pobreza resistente e defendeu um olhar sério e desapaixonado sobre as políticas sociais, mostrando-se descrente na estratégia de luta contra a pobreza.
"O desafio é que elas não caiam [na pobreza] porque estas pessoas têm ainda competências e ferramentas que as têm afastado dessa situação e que é bom que se animem para resolver", apontou, admitindo que uma análise simplista à realidade nacional possa revelar que o número de pessoas em situação de pobreza aumentou.
Rita Valadas sublinhou que as pessoas recentemente afetadas pela crise económica consequência da crise pandémica "ainda não encaram a vida como pobre", uma diferença em relação às pessoas da pobreza estrutural.
"Sabemos que no momento em que entram na pobreza resistente, a perpetuação da situação daquelas famílias é muito mais difícil de corrigir", alertou.
Nesse sentido, defendeu uma avaliação da situação das pessoas e não das percentagens de pessoas em determinado nível de rendimentos porque há muitas variantes que podem alterar as estatísticas -- desemprego, salários baixos -- mas não alteram a situação real das pessoas.
Criticou que se defenda uma Europa digna e desenvolvida, quando nessa mesma Europa vivem 14 milhões de crianças na pobreza, apontando que "há uma falta de consistência, falta 'cola' nas coisas e isso tem-se assistido em todos os programas".
Questionada se a nova estratégia nacional de combate à pobreza pode ser essa 'cola', Rita Valadas foi perentória na resposta negativa, salientando que o documento reflete as preocupações das instituições e das pessoas, mas acaba por ser "uma estratégia feita de medidas elencadas que não tem uma orientação".
Disse mesmo que nunca vai ser possível acabar com a fome porque vai levar muito tempo até se conseguir resolver o problema da pobreza resistente e porque haverá sempre questões conjunturais, mas continua a acreditar que "o caminho pela inserção é absolutamente indispensável" para que as pessoas consigam deixar uma situação de pobreza.
Já sobre o Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), a presidente da Cáritas entendeu que não fará diferença na vida de quem engrossa a lista da pobreza estrutural e resistente, mas poderá ajudar muito as famílias que foram apoiadas pelas moratórias e pelos 'layoff'.
Apesar de ainda não haver estatísticas pós-pandemia e de os números mais recentes serem relativos aos rendimentos de 2019, Rita Valadas acredita que há mais pobres, tendo em conta que a Cáritas sentiu um aumento de 20% no número de atendimentos entre 2019 e 2020 chegando aos 120 mil.
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