Presidente do TC diz que independência do poder judicial esteve em causa
O presidente do Tribunal Constitucional lembrou hoje, num debate sobre ameaças ao Estado de direito na Europa, que também em Portugal, no tempo da 'troika', a independência do poder judicial esteve ameaçada, deixando ainda um recado aos juízes "comentadores".
© Lusa
País Troika
João Caupers intervinha num painel sobre problemas estruturais na independência do poder judicial na Europa, na conferência "Estado de Direito na Europa" promovida pela MEDEL -- Magistrados Europeus pela Democracia e as Liberdades, na qual Polónia e Hungria estiveram sob análise e forte crítica pelas recentes decisões políticas e alterações legislativas que abrem espaço a interferências políticas sobre decisões judiciais ou recusam aplicar o direito europeu ou que este se sobreponha ao direito nacional.
O presidente do Tribunal Constitucional (TC) não deixou, no entanto, numa intervenção em que elencou ameaças da Polónia, Hungria ou Eslováquia ao Estado de direito na Europa e, por inerência, à democracia, de lembrar o recente passado português, quando as decisões deste tribunal eram postas em causa, inclusivamente por membros do Governo.
"A independência do juiz é posta em causa quando, designadamente, responsáveis do Estado promovem, ou deixam promover, ataques reiterados nos media contra os juízes e as suas decisões, como vem sucedendo na Hungria - e sucedeu já em Portugal, há não muito tempo, quando os juízes constitucionais foram ameaçados por membros do Governo da época e pela imprensa afeta à coligação que os apoiava, com processos disciplinares, por haverem decidido invalidar decisões tomadas pelo Governo durante o período de intervenção da 'troika' em Portugal [entre 2011 e 2014]", referiu o presidente do TC.
João Caupers lembrou que a independência do poder judicial depende da liberdade do juiz "para decidir livremente" e que a "efetivação desta liberdade exige, por um lado, que o juiz não sofra qualquer tipo de pressões, "sugestões", ameaças, enfim, interferências, de quem quer que seja, nomeadamente, dos outros poderes do Estado; por outro lado, reclama a imunidade do juiz relativamente a processos-crime ou cíveis tendentes a efetivar a sua responsabilidade por decisões por si tomadas".
O presidente do TC elencou quatro pontos que do seu ponto de vista são a garantia da independência do poder judicial: os juízes não devem ser nomeados pelo poder político e devem progredir por mérito; os presidentes dos tribunais superiores devem ser escolhidos pelos seus pares "sem qualquer intervenção de outro órgão de soberania"; a magistratura judicial deve ter órgãos de governo próprios, que não devem ser de nomeação política.
A encerrar a intervenção no painel moderado pelo presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Manuel Soares, o presidente do TC não deixou de alertar os juízes para o que entende dever ser uma obrigação de reserva pública como garantia da sua própria independência.
"À guisa de epílogo, gostaria de deixar uma mensagem aos juízes. A garantia da sua independência recomenda vivamente, em meu entender, que os juízes conservem um prudente distanciamento relativamente àqueles que influenciam a opinião pública, mantendo reserva sobre as suas opiniões", disse.
"Confesso não apreciar especialmente que juízes apareçam na televisão, em horário nobre, respondendo a perguntas de jornalistas sobre problemas dos tribunais. Quando um juiz se assume como comentador em órgãos da comunicação social ou nas redes sociais, dá um passo perigoso para a sua independência. O dever de informar a opinião pública deve ser cumprido de forma institucional, não se destinando a alimentar coscuvilhices nem a satisfazer curiosidades mórbidas", concluiu João Caupers.
A conferência promovida pela MEDEL decorre até sexta-feira na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, e terá no encerramento a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem.
Hoje, na abertura, o comissário europeu da Justiça, Didier Reynders, sublinhou a importância de instrumentos europeus como o relatório sobre o Estado de Direito na União Europeia (UE) ou a possibilidade de vir a condicionar a atribuição de fundos comunitários a Estados que violem os princípios do Estado de direito como forma de pressionar o respeito pelos princípios fundamentais da União.
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