Há "cenarização do património" para valorizar mercado imobiliário

Dois arqueólogos alertaram hoje para "uma cenarização do património" a decorrer em muitas zonas urbanas do país, como uma forma de valorização imobiliária que destrói ou adultera os bens arqueológicos.

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Lusa
22/01/2022 12:00 ‧ 22/01/2022 por Lusa

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Arqueologia

 

"Os metros quadrados valem muito e a existência de bens arqueológicos pode ser uma mais-valia na sua valorização patrimonial. Para não incomodar, ou são destruídos previamente ou são completamente reinventados para recriar um ambiente útil e vendável numa perspetiva do mercado imobiliário", disse, em declarações à agência Lusa, Luís Raposo, arqueólogo e presidente do Conselho Internacional de Museus da Europa.

Jorge Custódio, investigador do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, partilha da opinião e defende a extinção da Direção-Geral do Património e Cultura por considerar que esta não está a desempenhar o seu papel.

O investigador preconiza a criação de uma entidade independente como o antigo Instituto Português do Património Arquitetónico, sem estar diretamente dependente do poder político: "Deve ser extinta porque não garante a preservação do património nem os critérios homogéneos de classificações, assim como não tem uma atitude reguladora nem fiscalizadora", frisou.

Jorge Custódio alertou para este novo paradigma de mercantilização dos valores patrimoniais, criando cenários mais atrativos.

Os dois especialistas participaram hoje numa visita guiada ao local onde existia o moinho grande de maré de Alburrica, no Barreiro (distrito de Setúbal), promovida pela Associação Barreiro Património Memória e Futuro, para alertar para o que consideram ser um crime patrimonial, com a destruição dos imóveis.

Luís Raposo lamentou que haja uma corrente de promoção urbana generalizada de valorização do território tirando partido dos vestígios patrimoniais, mas adulterando-os.

"Inventa-se património a partir de algo que não existe ou que existia como ruína", disse, adiantando que o país "há muito que se confronta com uma política de rentabilização do mercado imobiliário através do chamado 'fachadismo'", ou seja, com a destruição do interior dos edifícios mantendo apenas as fachadas.

Agora, segundo o especialista, há uma nova e pior corrente de destruição completa dos imóveis com a indicação de que será de novo construído como se tratasse de uma reconstrução patrimonial, quando, na verdade, é uma rentabilização mercantil do imobiliário.

"Seria completamente absurdo reconstruir a igreja do Carmo em Lisboa, porque é como ruína que é memoria, é assim que é percebida e é assim que é valorizada socialmente", disse.

O arqueólogo considera que inventar património deitando abaixo uma ruína e construindo de novo, com a alegação de que era essa nova construção que estava naquele local, "é um descaramento total e uma aldrabice completa".

Jorge Custódio entende que, no caso em concreto do Barreiro, as ruínas de um moinho tinham valor patrimonial.

"A maior gravidade é que não foram previamente objeto de salvaguarda arqueológica. A lei obriga a que um imóvel em vias de classificação ou classificado, mesmo que de interesse municipal, [seja alvo de] intervenção arqueológica. Havia uma obrigação da autarquia em proceder ao seu estudo", disse.

Em novembro passado, o município assinou com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) um protocolo de cooperação técnica para a requalificação da Caldeira Grande, na zona de Alburrica, onde existiam moinhos de maré em ruínas e que foram, entretanto, destruídos, uma ação contestada pela associação.

Para a Caldeira Grande a autarquia tem projetada uma das maiores praias de rio da Área Metropolitana de Lisboa, um projeto que deverá estar concluído até final de 2023, no qual se pretende recuperar o Moinho Grande.

Leia Também: Museu Nacional de Arqueologia vai fechar para "profunda remodelação"

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