Por volta do meio-dia, não havia movimento no gabinete de apoio aos refugiados ucranianos que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) instalou no aeroporto de Lisboa para agilizar os pedidos de proteção temporária aos refugiados que chegam, vindos sobretudo da Polónia e da Roménia.
Desde sábado já por ali passaram mais de 40 cidadãos ucranianos em busca de ajuda, mas os dados mais atualizados dados pelo SEF indicam que desde o início da invasão russa Portugal já recebeu 1.536 pedidos de proteção temporária.
Em Portugal desde criança, onde chegou com os pais, Vladyslav Martynyuk começou cedo a desempenhar um papel de mediador. Era ele que ajudava a uma comunicação sem equívocos entre os pais e os funcionários do SEF no processo de legalização que decorreu sem sobressaltos. Desse tempo guardou uma "boa imagem" do SEF e hoje faz parte do seu grupo de inspetores.
Vladyslav Martynyuk, ao serviço do SEF desde 2019, é um dos 30 voluntários que em horário pós-laboral procura ajudar quem chega a instalar-se, com a vantagem de poder comunicar na única língua que alguns falam.
Na maior parte dos casos, a primeira coisa que lhe expressam é gratidão.
"Apesar de as pessoas estarem a chegar e terem ainda memórias muito recentes daquilo de que estão a fugir -- bombardeamentos, tiros, mortes -- quando chegam aqui muitas delas de facto ficam surpreendidas e muito gratas pela forma como são acolhidas aqui em Portugal", relatou o inspetor à Lusa.
O SEF ajuda a encaminhar quem chega sem qualquer rede de apoio, mas a maioria das pessoas que chegam, disse, têm alguma ligação a Portugal, sejam familiares ou amigos, que acabam por ser quem os acolhe nas próprias casas e que acabará por ajudar a uma instalação mais permanente, na procura de emprego e alojamento.
Não será esse o caso de Svetlana Maksimova. Aterrou em Lisboa esta manhã, vinda da Roménia e, depois de dias de fuga, foi num espaço lateral ao gabinete do SEF que conseguiu finalmente dormir algumas horas, depois de quatro dias sem sono nem descanso.
O relato da fuga sai-lhe em catadupa, com agradecimentos e memórias a embrulharem-se num discurso emotivo.
"Foi muito difícil sair de Kiev até Chernivtsi (fronteira com a Roménia) de comboio. Não podem imaginar. Estão a bombardear tudo. É tão assustador. E somos inúteis, queremos ajudar os soldados, mas não se pode fazer nada. É muito assustador circular pela cidade, demasiados grupos terroristas. Estou tão grata por podermos vir [para Portugal]. Quero trabalhar, quero fazer algo de bom, quero seguir com a minha vida. Talvez quando tudo termine possa regressar", disse, já sem conseguir conter as lágrimas.
Svetlana Maksimova fugiu sozinha. Foram amigos nos EUA que lhe compraram o bilhete de avião que a trouxe da Roménia para Portugal. Para chegar ao aeroporto romeno atravessou a fronteira em Chernivtsi a pé, ajudada nesse processo por "pessoas boas" que lhe permitiram fugir da guerra, "uma guerra real", com faz questão de sublinhar.
Espera que os amigos americanos venham ao seu encontro dentro de um mês, para a ajudar, mas o plano é ficar em Portugal.
"Gostaria de ficar em Portugal e refazer a minha vida, trabalhar, ajudar, fazer uma vida normal", disse, acrescentando não ser capaz de prever quando poderá regressar.
"Agora é tão difícil de dizer. É inacreditável. Não acredito que [a guerra] possa acabar rapidamente. É o meu palpite. Mas quando acabar, acho que todos querem voltar a casa. Perdemos tudo. Não tenho emprego, apoio financeiro, perdi o meu apartamento, não podia ficar", disse.
Svetlana Maksimova, de lágrimas nos olhos e voz trémula, recorda o início da invasão e os bombardeamentos sobre Kiev que a acordaram para não mais a deixar dormir, até hoje.
"Eles bombardeavam tudo, uma noite estava lá e acordei com o barulho, um barulho horrível, pensei que fosse um avião e imediatamente vi uma explosão enorme da minha janela, a um quilómetro da minha casa. Depois disso nunca mais voltei para casa para dormir, fiquei em abrigos", relatou.
"Veremos o que acontece a seguir", concluiu, num tom carregado de incerteza.
Vladyslav Martynyuk estava de serviço no aeroporto na madrugada em que a Rússia invadiu a Ucrânia. Soube ainda antes de as notícias começarem a circular na comunicação social, através de mensagens de amigos em Kiev, num momento "complicado" a meio do turno.
"Num momento inicial, obviamente, foi um sentimento de revolta para mim. Claro que já se falava nisto há alguns meses, mas uma pessoa, obviamente, quando se trata de situações tão graves, não quer acreditar que nos dias de hoje, aqui na Europa principalmente, onde a paz é uma coisa que estamos habituados há bastante tempo, que uma coisa destas possa acontecer", disse.
A informação "foi difícil de digerir", reconheceu, mas transformou a revolta em ação e em conjunto com a mulher arranjou forma de ajudar quem chega, mas também que ainda não conseguiu sair.
"Tirei uns dias de férias para ajudar na criação de uma associação de voluntários que tem como objetivo ajudar cidadãos ucranianos que estão a chegar a Portugal e cidadãos ucranianos que continuam em território ucraniano e que precisam de ajuda humanitária" contou.
Na associação há maioritariamente voluntários da comunidade ucraniana, mas também portugueses e outras nacionalidades e, desde há alguns dias, refugiados ucranianos que acabaram por ser integrados no trabalho de ajuda aos que ainda não conseguiram vir para Portugal.
Vladyslav Martynyuk fala diariamente com os amigos que ainda estão em Kiev e é através deles que vai recebendo informação. A maioria dos familiares que tinha na cidade conseguiu fugir para zonas menos habitadas do país e onde correm um risco de vida menor. A exceção é a avó da sua mulher, uma senhora de 85 anos, isolada em casa, que se recusa a sair.
"Infelizmente neste momento nem nós temos forma de a tirar de lá nem ela quer sair, porque já é uma senhora com uma idade bastante avançada. Apesar de diariamente nos relatar que ouve tiros e bombardeamentos, ela prefere ficar na casa dela em Kiev, mas estamos em permanente contacto com ela", disse.
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