Assim que as amigas Nataliya e Alyssa chegam ao destino dizem a única palavra que conseguiram por agora decorar em português: "Olá!".
À sua espera, estão Rui Rodrigues, de 39 anos, e Mónica Gonçalves, de 37 anos, que decidiram, quase de forma "instintiva", inscrever-se na bolsa de acolhimento promovida pela Câmara de Coimbra para receber famílias ucranianas que fogem da guerra.
Mais tarde, chegarão ainda a filha de 12 anos de Natalyia e também a sua mãe, septuagenária.
As quatro vão viver os próximos tempos na casa de Rui e Mónica, que têm dois filhos de sete e três anos.
"Vai ser um período de adaptação para todos nós. A nossa família passa de quatro para oito no espaço de pouco tempo, mas temos família à volta para ajudar e apoiar no que for preciso. As coisas arranjam-se e resolvem-se quando há vontade", diz à agência Lusa Mónica.
O casal, que trabalha na área do marketing digital, tinha-se mudado para aquela casa, na margem esquerda do Mondego, há pouco mais de um ano e nem estava "100% pronta", mas a notícia de que iriam receber refugiados levou-os a uma corrida para terminar o último quarto.
Para os próximos tempos, acreditam que os gestos e "o bom 'Google'" ajudem a quebrar as barreiras de comunicação.
"Haveremos de nos conseguir entender de alguma forma", diz Rui.
Numa zona pacata próxima da cidade, onde o som dos carros é trocado pelo canto dos pássaros, esperam que a calmaria daquele local também dê agora algum conforto à família que recebem.
"Esperemos que o sossego seja algo que procuram. Poderá ser bom estar aqui, temos espaço exterior e oportunidade de dar umas voltas pela natureza", conta Mónica.
Para Rui, esta também será uma lição para os seus dois filhos -- mesmo que o mais novo ainda não compreenda muito bem o que se está a passar.
"Eram pessoas que tinham uma vida perfeitamente normal até dia 24 de fevereiro e depois tudo mudou. Gostava de ir para a Ucrânia e ser recebido como eu os recebo cá, caso precise. Esperemos que mais gente adira e possa abrir as portas das suas casas, caso tenha condições para isso", frisou Rui.
No primeiro contacto, quem serve de ligação e de tradutora é uma amiga de infância de Natalyia (com o mesmo nome), natural de Kharkiv, e que a partir do basquetebol profissional acabou por se mudar para Portugal há 20 anos, estando a residir em Coimbra.
"Vim para cá jogar e fiquei cá. Nunca pensei que nos poderíamos encontrar desta forma", conta a tradutora de serviço.
Com a ajuda da tradução de Natalyia, a sua homónima conta à Lusa que fugiram de Kharkiv, cidade próxima da fronteira da Rússia e uma das cidades mais fustigadas pela ofensiva de Moscovo.
A viagem foi longa e feita de paragens. Primeiro de autocarro até Poltava, depois de comboio até Kremenchuk e novamente de autocarro até Varsóvia, na Polónia, onde estiveram três dias até viajar para Lisboa, com o contacto da sua amiga infância de Coimbra, que nunca mais tinha voltado à Ucrânia desde 2014.
Alyssa explica que "a gota de água" que a levou a sair do seu país foi quando houve disparos ao lado da casa onde vive, em Kharkiv.
Para trás, Alyssa deixa a irmã, que está em Kiev, e Natalyia o seu filho de 22 anos.
"Elas tinham as suas casas, bom trabalho, uma vida tranquila. Nunca pensaram em sair de lá e procurar uma vida melhor aqui, no fim do mundo, com o oceano já aqui ao lado", conta a amiga que faz de tradutora.
A família ainda não conseguiu estabilizar.
"Ainda não percebo nada. Ainda não tive tempo para assimilar isto. É como se estivesse a ver fotografias a passarem todas muito depressa", conta Natalyia, muito agradecida a Rui e Mónica, mas desejosa para que a estabilidade volte à Ucrânia e possa regressar à sua cidade.
"Tem lá a vida toda", frisa a amiga.
Segundo a vereadora da Câmara de Coimbra com a pasta da ação social, Ana Cortez Vaz, para a semana "mais duas ou três famílias" deverão acolher nas suas casas refugiados ucranianos, num processo que conta com acompanhamento de técnicos distribuídos por cada uma das freguesias.
De acordo com a responsável, há cada vez mais famílias a disponibilizarem a sua casa, registando já mais de 90 alojamentos prontos a receber refugiados.
"Infelizmente, a Câmara de Coimbra não tem alojamentos, mas é bom ver a comunidade a abraçar estas causas e a Câmara de Coimbra a ser apenas o elo de ligação", disse a vereadora, frisando que o município está a trabalhar para garantir "alojamento urgente e temporário", estando à espera de confirmação por parte da entidade a quem foi solicitado apoio.
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